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Mostrando postagens de 2013

O carmim do nosso amor

Do nosso amor, o grito adormecido no corpo pele, dentes, cabelos, odor... Do nosso amor, a matéria extensa dos não-ditos Eu sinto teu grilo teu grilo, sigilo Não sei o que sinto, amor O nosso amor é o carmim nos lábios frágeis da gueixa Há de se retocar, sufocar, purificar sem pudor. Como o conjurador das chuvas, aprender fazer chuva que nunca lhe chova para nunca borrar o carmim do nosso amor O nosso amor, bichinho tão puro; na pele, tão devastador, é beija-flor que me espalha sementes que me nutre, meu amor. Do nosso amor, gastei todas as rezas Santo Antônio, São Benedito, Nosso Senhor. Quantos jogos de tarô!... para que fosse sempre rocha, jamais flor. E como lograr isso, amor? Eu, que sou fogo abrasador, nunca me dobrei por ninguém assim não senhor! Ai, esse amor! Nunca soube de minhas vigílias, menos ainda de minha entropia flutuando em face de flor. Só por ti, meu amor, delicado, sim senhor! Hei de zelar teu silencioso grilo, o não

Anuveando

Gosto de ver o cinza dos tempos nublados, o cinza que omite um horizonte a qualquer palmo... Mar funde-se ao céu, céu torna-se mar. Anuvear é assumir a forma do vento. Gosto de ver a dança lenta das nuvens recordando o pesado dos maus momentos... Pareciam tão eternos!... Me esmero. Ultimamente, ando mesmo pensando em nuvens, virando nuvens - toque de vento. O balé efêmero dessas vidas difusas... Abre-alas um Sol de dentro. Se anuvio - simples adendo. Mascarada admitindo formas novas carcomida por dentro. - Uma caixa aberta. O veneno. Livro-me hoje desse apartamento Brilho amanhã, no escuro dos maus ventos. Corta-me o fio. Não vejo horizonte. Nenhum palmo... Nada. Me despeço. Apodero. Não temo. - Já virei tempo. Templo... Me esquecimento.

Sensibilidade II

A sensibilidade é minha puta triste,  senhora antiquada. que esqueceu há tempos o próprio gozo e agora acalenta toda a minha jornada lhe dei o torso,  - fez de mim morada, para eu esquecer as vergonhas,  - para ela, em mim, ser amada. Se espelho o rosto da puta chorando as minhas lágrimas é porque vivo volúpia sem fim  sendo por ela assim desbravada!... Sentindo, adormeço as bofetadas  do mundo oco, minha boca escancarada se cala entrego-me ao outro  com o corpo  - vibração mais pura de minha alma.

Poema para o bem amado

Chegou em meu temporal sem tirar os sapatos... Tentei, então, em vão, fugir do seu cabelo armado, da sua cor, desses olhos de mago... dessas coisas tão ancestrais que carregas no passo. Tive medo. Mas cavaco já havia chorado... nossos corpos já haviam dançado tua música; nossas almas, no batuque, se entrelaçado; teus olhos me enfeitiçado; poesia de Vinícius abençoado... Cortei o laço. Mas cavaco já havia chorado... Pandora espalhou-me as feridas. Chorei, corri, chovi. Mas em sua caixa, um bater de asas aprisionado... Era a doce Esperança a bem-querer-me os ouvidos... zunindo que nessa vida havias de ser minha melodia. Eu, que só sei fazer poesia... E o teu cavaco, já havia chorado... Temporal passou, teu sorriso ficou, a leveza do teu passo, musicado em mim, nada mais andava chorado... Então abri as portas da casa, só para ver o novo brotar no coração velhaco do namorado... Meu bem amado!

Falta rua nesse tamborim ou Provocação

Malandro disse que é de rua, que o samba governa seus instintos... Mando minha provocação. Quem escolhe o samba como rei no pedestal não há de ser bamba, porque samba é canção que se preenche, que desanda na criação... Se não tem amor de tensão, há de fazer samba não, menos ainda reger o próprio violão. Malandro, falta-lhe rua e nêga que em ti faça canção! Porque samba é desejo de pele, é chão. É vontade particular, não é pública não... Faltou tesão. Aonde há de aprender o batuque que nasce no tambor da mulata e sentir os gemidos de uma cuíca sem paixão? Não há de ver o swing do cavaco de um corpo violado nem levar os bêbados de dó maior sem improvisação. Nome vai sujar na Lapa, zé pequeno de exclusiva concentração... Ou aprenda a domar essa nêga ou trate de compor samba-canção!

Subversão

Às vezes sentar-se a um banco de praça equivale a figurar-se uma vitrine. Pergunto. Mais do que a existência ou não dos bancos de praça, o mero ato de utilizar-se deles já prefigura uma arte de museu? Bem que esses banquinhos sossegados andam mesmo raros... A que pés, então, andam os caminhantes que apoderam-se deles? Rumo à extinção? Compreendo agora esse sentimento de exposição... Para além da extinção, imagino, um dia, tal ato uma arma de subversão desses tantos que andam por aí vomitando exclamações com suas bandeiras vermelhas e azuis... Para controlar o caos, acrescente aí um pastor de ovelhas, desses seres iluminados... Haverá de propagar o novo mandamento, até então negligenciado na tábua de Moisés: "Não silenciarás em praças públicas". ... Pecado quebrar o ritmo dos transeuntes jazidos na cidade Veloz de Neón.

Fragmento IV

Da fumaça dos cigarros? Desculpa (legal) de sensibilidade para expurgar demônios sem razão...

Os olhos de Bisa

Teceu teceu teceu teceu... Não alinhavou. Perdeu no horizonte os olhos à espera do seu santo guerreiro, que arremate o único ponto que não pôde dar na vida. A despedida... das dores sustentadas naqueles ombros dedicados à costura da vida dos meninos, filhos de Jorge. Matriarca, costureira, amazona, orgulhosa, prosa... Contadora de histórias, quem teceu em mim o primeiro fio da narrativa... Entorpeceu-me de palavreados. Eu copiava. Escrevia quando ela bordava. Bordava e ela contava... Criávamos vida em tempos mortos... Outra semana prometeu jamais voltar à máquina de costura, seu sentido... O rosto então caiu; baixinha, apequenou-se mais ainda; teve preguiça. Retaliou São Jorge. "O que ele espera pra me levar?" "Só vou de cavalo branco!". "Chegou minha hora". E chegou. Dos noventa outonos, tantas Luas, mangas-fruta maduras, luta e criação, desgostou da comida. Parou de assaltar a geladeira nas madrugadas - como juntas fazíamos - entre a leit

Fragmento III

Torpor sem nome desde que tu fostes... - A leve impressão de que carregastes outro eu contigo... Cá fiquei um restinho... sombra em pêlos divagando em mim.

Fragmento II

Luto contra o sono para poder viver de madrugada,  quando se apagaram as expectativas e todos os olhos... restando-nos apenas essa Lua dourada, consumação das ilusões (diárias)...

Anjo da noite

Visitou-me em sonho e ancorou minhas fraquezas meu anjo da noite, que há de andar sempre comigo... Me protege no ponto aonde mais fragilizo. Há de ser por isso que me exponho assim ao perigo? Seu nome é Perdão, aquilo que não cultivo. Que busco na noite, quando dopo os sentidos... Quando eu sinto. Mergulhar no escuro necessito pois assim durmo o raiar futuro e todo o brilho que irradio no cetim azul do vestido. A amazona está sem armadura. De dia, diz que vai à luta. De noite, vivo.

Croniqueta de botequim

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            Do cinza de minha janela, sempre aberta,        veio ela, esbaforida,        pousando em meu chapéu de malandro João...        Pronto soube que logo viria poesia.        Amarelinha, intuitiva,        borboleta minha, de elegante transmutação.        Como se não houvesse inspiração,        veio-me o som dos copos vazios        a traçar primeiras linhas dessa solidão primaveril        que mareja os sentidos,        ilumina o caminho        da Croniqueta dos botequins.        Ela virou-me a primeira folha rabiscada        antes de, efêmera, partir.        Logo entendi, já com o chapéu e chave na mão...        - Seu Tião, desça a cerveja aí!

A velha Praça do Sol

Disse uma vez Quintana, com sua invejável economia literária, que o que sobrou de todas as andanças de sua vida, havia de ser seu verdadeiro eu. Me aproprio. Eu que não fui Raul e não estive (ainda) nos quatro cantos do mundo, lembro-me bem de um "fantasminha" de mim, que ainda há de residir naquele velho sobrado de Madri... Não foi que mudei, minha amiga. Só criei alguns calos no espírito e outros tantos na pele. Não é que alguns até embelezaram essa fronte, de energia circundante que carrego comigo? Essencializo no justo ponto em que mais me nego, exatamente quando me reinvento em nova geografia, outras brisas, com outras peles... Caem então os condicionamentos, os pré-requisitos de família, aquela roupagem bonita a qual mamãe me franzia, a qual me trazia amor. E por amor, convenhamos, havemos sempre de nos vender um bocado... Confesso-te agora que dei pra sentir saudade daquela movimentada Praça do Sol em pleno inverno de minha alma... Não, não foi tão triste ass

Carta à hipocrisia

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Quero um dia poder ser mãe de menina, flor fina, autêntica, de sonhos e de guerra, para poder, ao menos nela, desconstruir toda a opressão desse mundo... A ela, os olhos cinzas do sábio bem que dirão... - Estás segura de que queres pisar nesse mundo, flor? Sujo, solitário, prepotente, machista, aniquilador? Há de sofrer, há de chorar, há de morrer, dia a dia. Ao que bem dirá... - Não, meu pai, mas é preciso. E ela virá... No raio de Iansã, sem sonhos de poder, em seu coração, vivo, "rojo". Há de trazer o fogo dos céus e reinventar-se Liberdade. E essa notícia que agora compartilho por essas teclas geladas não passará de uma terra muito distante... memória de um mundo bem mais negro e infértil que o seu. "Fran, Meu celular acabou de apitar avisando uma mensagem nova no Whatsapp. Era um vídeo de 13 segundos em que você aparece fazendo um boquete e perguntando ao câmera: “quer meu c*zinho apertadinho?” – fazendo um sinal de OK. Eu deveria ter achado graça, caído

Maria, por favor

Deixei de ser eu mesma quando, de meus pais, me veio o significante... e a responsabilidade para ser impunemente algo só em minhas metamorfoses com o casulo de meu nome. Quanto ao destino, havia de ser eu, para sempre eu, o significado de um significante... Não fosse Luma e não mais carregasse nos ombros duas... pessoas de meus eternos tios LU-cio e MA-rcos, não mais dividir-me-ia trabalho e boemia, poesia e monografia, letras e economia, amor e razão... Talvez. Quem sabe devesse ser Suma, união, ou Brisa, à mercê do tempo, das contingências do clima e do vento... Ao menos pudesse ser obra inacabada e xará de quem ainda conta as horas e não juntou os pés... quiçá fosse, mais claro, transição. E assim, transcorrer... Por favor. Chame-me Maria, seu leitor! Deixe-me ser...

Eu não ando só

(Ando com Bethânia, em minha "Carta de Amor") Não meche comigo. Eu não ando só. Em mim, a voz do mundo. O grito, o sussurro, o mal e a cura. Não caio no canto de Ossanha. Talho a minha armadura pra logo logo ser de amar melhor. A fome é tanta... Me conecto. Me camuflo. Disperso palavras. Minha alma é nascente não concatenada, des-identificada, pedra bruta. Toda reticências... Sou rizoma. Raiz, broto, flor, folha, vida e morte. Fruto, natura. Quem já escutou o riso de Oxum e a música de Iansã não voltará ao começo do próprio ciclo, fluirá semeadura nesse tempo, nunquinha nosso. Cinco almas acalentadas, aninhadas de corpo no verde sano do Sana que sana dores. A quintessência, a fina flor de um amor transcendental. A água doce que nasce, dança e morre lago, no mesmo tempo e no mesmo espaço, me ensinou a reciclar os fluidos de mim, a cuidar, curar, velar a energia dos meus amigos e dos amigos ao contrário! Não meche comigo. Eu não ando só. Iemanjá

Tempurá de tempo

Perdi muito tempo lutando contra o tempo, gastei forças para simplesmente ter forças, e tenho visto sempre que são só as contingências e circunstâncias que constroem uma pessoa. Um dia não mais quis ser coisa, mas para além de sujeito, desalojei meu Deus fraco e fui de mim mesma impostora por muito querer ser algo... Nada fui senão ser angustiado... Hoje valorizo como nunca toda a minha falta de grana, de apoio, de limite, de escudo e de cultura... tudo aquilo que me limita, porque é essa matéria, que constantemente me chuta da barriga de minha mãe, que origina a minha necessidade de guerrear na vida, o meu desencaixe porém sem gaiola e toda a fome que sinto por idéias e sentidos que dignificam minha velha busca torta... Um dia procurei uma analista para ser de mim minha própria escultora... Estúpida! Na vida o que é preciso é escola para ser o que já se é. Não posso ser outra, nem aquela que já fui outrora...  porque tudo, exatamente tudo que tracei, planejei, alinhavei, ar

Lavapiés

É preciso ver a sujeira das ruas, a podridão do consumo, a oferta É preciso ser mulher e sentir-se comida pela tradição de Maomé num recanto árabe dessa multidão cosmopolita, que reclama seu espaço e um cigarro numa dessas noites quaisquer É preciso conhecer a fundo a viagem desses becos e seus castelos de seringa e fumo, o peso do tempo que um dia lhe reclama o rosto É preciso reconhecer-se parte desse mau cheiro, pegar-se mentindo, porque uma hora a cidade vai pra sua casa e lá estás nessa jornada, ao lado das putas, dos drogados, bêbados, pedintes, imigrantes, bate-carteiras, malabaristas, sem documentos... E te vestes o mesmo andar, o mesmo tom e, com o tempo, temes menos, incorporas... pois vês que nada possuis além de um si mesmo que, dia a dia, enfrenta o espelho e conhece o rosto da solidão... E escutas no bareco que Seu Jorge foi acertar as contas com o "chifrudo"; se planeja a ocupação, que lhe promete uma melhor cama e um balcão que compartirás com o compan

Cuitelinho de Maria Marta

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... E cantava como quem caminha ao meio fio  como se qualquer vacilo  profanasse o canto divino escorrido pela sua boca. Ali, dela, se ausentava nela o que podía como se fôra ela mesma um obstáculo furtivo da sua música que nascia  da mente de Chico na extensão do corpo dela anímico, trevo de catorze folhas.

Irmã de rapina

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(Fonte: www.revistamundoeco.com.br) Um belo dia escolheu a coruja para sua realidade anímica, hipótese que, de começo, rechacei por achar que o signo fôra corrompido pelo nosso vulgar sentido de fidelidade; na verdade o que temia eram suas poderosas asas de rapina, a velar nessas escuras madrugadas, sozinha. Existe sempre algo de Narciso no amor que a gente sente, na proteção que dedicamos através dos braços os quais não temos... que nos torna heróis da gente mesmo... E foi assim, sem sentir, que me instalei no posto de vigília e fui eu mesma a mãe-rapina, a cuidar-te de qualquer precoce voo largo, distante, perigoso, para que nunca portastes os arranhões tais quais os me criaram a vida. Mas foi inútil, pois que criei uma teimosa ave, mais sagaz nos furtos de si e no engenho que eu mesma... Arranquei-me as penas! Do seu mítico nome, hoje, sabedoria eu vejo, o maior dos apelos... E naquele ímpeto, que no homem que desassume um posto é egoísmo e no animal que voa, natural, que

Tabacalera

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(José Manuel Ballester, exposição"Bosques de Luz", em La Tabacalera) Hoje, em vaguidão, fui a uma exposição de fotografia, numa antiga fábrica de tabacos em Lavapiés - o "Bronx" cosmopolita de Madrid. Me mudei para ali porque queria entender a essência da solidão.  Batuques batidos em ecos espaçados na outra entrada, som de goteiras nos velhos canos... Algo precisou rejuvenescer-se ali...  Mas nada tinha de macabro, nada tinha de "outro mundo" no ranger da madeira condicionada aos meus passos, aquele era só o meu mundo, de presenças "curiosas", efêmeras e congeladas como a linguagem, que só se degela no próprio pensar. Não nasci com o dom de brincar com as palavras, neologizar... Nesse ínterim, encontrei-me a mim, a caminho da natureza morta visível, na linguagem em carne composta, para captar aquele mero estalo, sorrateiro, nascente, primeira gota de vida que ainda não endureceu corrompida pelos signos... Nesse cenário penetran

Economia, necessidade subjetiva

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"Lo que separa el "pensamiento" de un Balzac del de un Flaubert es una variación de escuela; lo que opone sus escrituras es una ruptura social, en el instante mismo en que dos estructuras económicas se imbrican, arrastrando en su articulación cambios decisivos de mentalidad y de conciencia." (Barthes, en "El grado cero de la escritura") Há quatro anos atrás, cheia de sonhos nas costas e indecisão, escolhi o curso de economia, sem saber ao certo como chegar, com tanta materialidade, a um mundo essencial. Como dizia a minha gente, por que não o universo das letras, a história, a arte? Mas lá existia obstinação. Uma necessidade subjetiva de firmar-me, focar a visão daquele olhar perdido e solitário que trago comigo. A busca por libertação entre as cadeias de conceitos rasos, fatalistas e utilitários... Rebelião. Revolução, que casa perfeitamente com as minhas metamorfoses e contradição. Um caminho inconsciente de um ser párea, para sempre párea... Des

Desmundo

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rio intransponível, que se conecta comigo e me separa cada vez mais do mundo... Desmundo. Se em ti não mergulho, me alieno de mim mesmo desconheço, coisifico.  Se em ti me perco, me perco... "The sick child", Edvard Munch

Correspondência de botequim

Que Nietzsche, que Freud, que Marx, Deus, feminismo, razão...! Saudade mesmo da maior filosofia que já conheci... contigo... a do botequim! Pai, tu não sabe o quão precária é a socialização dos bares de Madri! Não existe o outro do discurso, não existe o "chorinho", a(s) "saidera"(s), o papo à toa, os minutos que ligam os sentidos, NÃO EXISTEM OLHOS NUS! Se chega, se senta, se bebe, se come, se traz a conta, se vai... vazio como aquele que sai de casa em busca de um algo que preencha sua existência para enfim poder dormir, acordar e saber-se vivo... Na egoica e espanhola sedução entre tortilha, caña e pimentão à qual me submeto - porque necessito estar sempre à prova de mim mesmo - retiro-me acomodada à minha resignação, até as primeiras linhas do meu caderninho de remendo: "É preciso ser muito forte para poder poder ser fraco"... Eu costumava dizer que minha alma era negra, ou multicolor, mas a cada dia que passa a percebo mais verde e amarela, mais

Entre o Atlântico e o Mediterrâneo

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Por Luana Laux Pagar um bilhete aéreo nunca é pagar caro. Clichês nunca me serviram tanto, mas viajar é, de fato, violar nossas placas que alardeiam "cuidado!"; é um situar-se camadas à dentro; encontrar-se odiosa e amorosamente com a gente mesmo; rever e, quem sabe, superar fantasmas velhos só porque os contextos são novos... Entre o Atlântico e o Mediterrâneo, descobri o quanto amo minha inquietude e a autodestruição do meu pensamento... Porque é preciso brigar muito consigo mesmo e descobrir-se para sempre vilão para poder ser "o herói" das situações embaraçosas; pois que "os ruins" são os bons de todos os dias, entre a família e os amigos, entre os colegas e o patrão... Tão potencialmente atrozes, mas tão coitados que incapazes de qualquer autorreflexão... Aprendi que os senhores do seu tempo são os que mais "perdem" tempo; que é preciso ser muito forte para poder ser fraco; que as pessoas que mais devemos ter medo são as pessoas

Reconheço, amanheço.

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Amanhecer é preciso. Reconheço-me n´água, como Narciso,  e nela somos cúmplices. Depois, sim, cumpro meu papel ao mundo... Luma Espíndola

Aqui jazz um jazz

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O jazz é o baile, a corporalidade, a expressão da música que nasce e vive aqui dentro.. Meus sentimentos, tão sentidos, no mais gris das tardes, flutuam em movimento... Independentes, impunemente... Meu bom senhor, tom maior, por favor! A fronteira do eu já se foi. No epitáfio de mim, claro se fará notar... Aqui jazz um jazz.

Amor de canela

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Dela, a memória mais pura é a olfativa, em forma de presente, nostálgica e viva. A memória mais terna que tinha daquela mulher tinha rastro de corpo. Na verdade, era puro corpo. Aroma, paladar e cor. Senhora que exalava mel, de poucas palavras. O que nos ligava não eram confidências, apelos ou demandas, mas o silêncio das tardes de biscoito amanteigado com chá de maçã. O leite com canela, os peixes do aquário... A contemplação. O cheiro de alecrim da comida, nos dedos, cabelos... Sua alma tinha esse frescor doce e cítrico que a gente precisa tragar de uma vez. Amo aquela mulher sem por quês... Um amor que vem de pele, do calor das mãos, do suspiro externo e alheio que sinto vibrar no peito, terra fresca. A avó e a neta... Duas almas de oceano fundo, claro e calmo, que se cruzam e se afastam, com as brisas do uno passado, velho e adocicado, e promessas fluidas de um futuro cada vez mais entrelaçado, talhado no pingente da neta, broto de jasmin... A vida é o outro lado e o no

Questão de gênero

I   - Luiza ... Falava de si em terceira pessoa. Escrevia só porque morria, para identificar o maremoto que dentro de si cabia. Seu orgulho era sentir o que sentia... Senhora de mãos escorregadias. Nada lhe pertencia. Apegou-se, então, aos laços presentes e invisíveis que constituía, e ao seu caderninho de remendos e poesia. Assim se dividia: a mulher e a menina. Há quem diga que era triste, há quem diga que de tanta felicidade Luiza luzia... Dependia do olhar de quem a via? Especulo que era prolixa. E via-se doente como o mundo de jornais expressos e internet informativa, só porque falava em tópicos, como quem quer desnudar-se, desmanchar-se, sem trazer incômodos. Respirava com cuidado. Já lhe haviam dito que carregava consigo algo intimidador. Talvez porque não perdia a mania de ir até o último gole, expondo-se a maiores danos na vida, e há sempre um sadismo na dor que se sente. Ter um corpo era por si só, um desafio. Por isso, a cada queda, mais força e fé ganhava na vida

Moça na janela

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Papo de bar, papo de vida... "Mulheres são complicadas! Indecifráveis! Vede a vida..." O direito de discordar. ... Descobriu então nos olhos do amado: era amor pra toda a vida! Jantaram. Conheceram-se. Diplomáticos. Economistas. N'outro dia, um chamado. Inesperado. Uma festa. Boas vindas... Haxixe paquistanês. Maconha senegalesa. Gin tônica número zero. Viajaram... O fogo e a balança na casa do peixe. Um funk. Um soul. O beijo... Um beijo. Mais um. Mais outro. Vento frio... Mãos calientes. O melhor que ela fazia? Dançar-se de música. Seu nome era lira. E luna... Uma porta. Um beijo. Uma escada. Um aperto. Um chá... Um quarto. Escuro. Luminária acesa. Dança devota. Compartilhada. Recíproca. Amou quem lhe cuidou, a menina. Ele vinha de casa. Veio à casa. Gentil. Os olhos claros. ...Palavras que constroem afeto. Cupido passivo e contente. - "Confia"... "Seguro, me liga". - "Ele não joga". "Já vi." Olho

Papel Canson

Poderia ter feito um milhão de coisas antes que a chama se apagasse... Se eu fosse tonta o bastante pra não sentir medo, eternizar-te-ia naqueles momentos sublimes... Não sairia jamais de casa, deixaria mais amores em versos e beijos de bom dia eterno... Quanto aos seus olhos tristes, repousados, dissonantes naquele corpo primitivo que amei tanto, que senti tanto, ainda gritam, suplicando: expressão!... Mas seus traços um dia me escaparam à visão... Se, talvez, implodisse menos e te engolisse com antropofogia e berração de paixões em aquarela, te exaurisse a recordação... Mas sangro só de entropia, em tua geleira turvo-cinza, Imaterial, a reunir pedaços de tempo, que esgotar-se-ão de dureza e finura, em desejo e loucura... Curvilíneo esboço, riscado em papel Canson!...

I

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(imagem: autor desconhecido) Peixe tem alma coletiva... Fui particionada. Escutastes? Mutilada! Choro de dores invisíveis... Preciso encontrar-me meu cardume.

Estranho hóspede

Esses dias conheci alguém que trouxe para morar na minha casa, que me desalojava a cada dia, a cada palavra que de mim saía... Eu expunha, dizia, pois trabalhara o projeto de construir a ponte que ligasse os pólos da gente que se perdia... Só havia o silêncio. Então comecei a preencher os espaços... Lhe contei do meu passado, lhe pus a par das minhas feridas e, a cada frase à ventania, objetos da minha casa sumiam... Primeiro os lençóis da cama, depois o envoltório do colchão. E as malas... - Já não podia partir... As horas passavam, os dias, as coisas, e mais e mais eu me apegava àquele estranho distante, que comeu da minha comida. Por último, se foram as chaves de casa... Como sou desajeitada! Uma pária... Fiz-me então não-presença, só pra não desconfortar... ... Palavras íntimas dentre nuvens negras são corrente arquitetada de afeto. ... Ontem chorei detrás da cortina. Chiquitita de mim... Nunca mais tive casa desde a necessidade de amar e ser amada que sempre se apossara

Fragmento

...Não dispunha de armas que lha abrigassem do vento das próprias palavras. Descortinava-se. Desculpava-se, como desajeito de ser ela... ...Reinventar-se! Eis o novo-velho lema.

Eu te amo. Só não lembro...

Deixei meu amor para viver na Espanha. Aquele amor terno, doce e gentil... Seus cabelos eram de primavera e floresciam naturalmente. Tinham vida própria e se encarapinhavam, claros e suaves, no meu rosto, na minha nuca... Não. Meu bem não tinha cabelos de primavera. Talvez seus cabelos fossem invernais, de tão escuros, indiferentes, cortantes, de lado - como um abrigo velho ao sentir as rodas mecânicas de um aquecedor elétrico...  Era isso aquele meu amor... Inverno de aquecedor! E não era doce, terno, tampouco gentil... Era indiferença presente, carícias calientes, desejo, intriga...  Não. Era volúpia! E dor... Ai, o meu amor... Era brasileiro, como Deus. Ou colombiano de sangue grosso... Um Buendía da sofrida estirpe. Sobrevivente!  Mi cariño tinha nos dentes as cores de sua bandeira e o cheiro doce do próprio fumo... Olhar grave de quem não sorria.  Era lindo! Mas intocável. O que fazia dos contatos íntimos o não contato. Era mesmo um amor falhado. Com os beijo

O lobo de mim

"Preciso atender o lobo, esquecer a pluma da boa vertigem, e a rejeição que há no medo de apanhar do meu senhor." (Patrícia Porto) Assim me encontro... Ao encontro desse lobo de mim que sabe cair sem ser atirando, que à incerteza do vento oferece o rosto, que não mais luta contra si... ... Encontrar numa viagem o meu lobo, que vive livre pelo instinto, d e aparadas garras escorpianas e vívido sonho de nirvana do dia mais feliz... Avante encontro à fera da alcatéia! Sem senhor cristão de escravizar e conduzir... ... Quebro então essas muralhas intransponíveis. Na solidão do si, sei que posso viver livre sentir pois à luz da lua cheia residirá sempre um olhar mareado, clareando o madrileño vivir, desse animal que vive em mim... ... Só de pensar quantos lobos engoli!...

Silêncio

Gasto maior parte do meu tempo no silêncio dos meus ponteiros e raciocínios. No silêncio dos meus amores. No silêncio da minha solidão. A mente não divaga. Já se vê livre... Não me contemplo quando releio e releio meus antigos escritos, tampouco me conheço. Eu sinto... Um sentimento sem clareza, nem objetivo. Sem alvo, nem origem. Sentimento puro e simples, cujo som é pano de fundo, e o hábito da escrita, teia de desculpas, mera ilusão de que um algo faço nesses momentos, quando me dedico ao nada de dentro... Nesse stop de vida, há quem diga que a truncadas e importantes conclusões eu chego; outros, que nesse meu olhar perdido, me perco. Mas não é nada disso. É à essência do nada que chego. E é só assim que me encontro. No encontro com o nada que desejo.

Camisola de seda branca

O desapego que carrego na vida Deus me deu de apego no coração e na camisola de seda branca, manchada ainda pelo seu amor numa noite chuvosa de setembro... Eu me lembro daquele inverno, hoje é janeiro. Rezo pra que amanhã não chova ontem, mais uma vez. Voltei então para o banheiro e saboneteei o amarelado, guardado, de uma vez. Finalmente me dei conta de que o branco do meu corpo, daquela cama, amarelou. O tempo passou e n´ele congelei. De amor? Fantasia? Teimosia? Não sei... De você, fico com a camisola. Verdadeiramente, agora, adeus!

Sancho Pança da minha vila

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Foi no ambiente informal do irresponsável que nos encontramos, desenganados. Dali que partiu o chamado, prontamente atendido por um pai cansado, predestinado à uma amiga-filha, aflita, entristecida... Talvez o que visse não fosse o errante cavaleiro andante, mas seu limitado escudeiro, um objetivo braço direito!... ... Fraquezas postas à mesa. O brinde ao desconhecido e o perdão de nossas existências ali, ao alcance da mão... ocupada pelo líquido sagrado dos desgarrados... ... Dois cúmplices. De um presente destroçado. Ao avesso, machucado, pesado pelas memórias de um passado inacabado... Foi quando me dei conta de que aqueles olhos cansados não nasceram mesmo para reagir, menos ainda para lamentar... pois que sabiam melhor do que ninguém os labirintos pelos quais é construída a vida. E era essa incapacidade que nele eu via. E amava... esse admirável talento com o qual se resignava e se acomodava impunemente a dor, instalando-se nela e dela, extraindo-lhe as forças

Eu não bebo cerveja

" (...) o coração dos alcóolatras - por motivo que Dr. nenhum conseguiu explicar - incha até ficar com o dobro do tamanho do coração humano civil, e nunca volta ao normal." David Foster Wallace, em "Infinite Jest" Bebo. E não bebo porque gosto de cerveja. Também não bebo para ficar bêbado. Nem bebo cerveja... Como um animal obsessivo, o que bebo são os minutos. A sua atenção. O stop. O instante que me assenhora... do tempo, de mim. Poderia redigir um tratado sobre o papel de socialização do álcool... Mais especificamente, da cerveja gelada. Do boteco. Do churrasco. Do domingo... Mas, contraditoriamente, tampouco bebo por isso. Bebo para me perder. Para servir. Para diluir o "isso". Perceber... sem o viés dos olhos e ouvidos. Eu não bebo cerveja.  Bebo a nossa conversa à toa . Nossa filosofia. Nossa esperança - choro e riso... A amizade. Que a sobriedade desfará no dia seguinte quando nos esbarrarmos no elevador do condomínio...  Bebo a