Tabacalera
(José Manuel Ballester, exposição"Bosques de Luz", em La Tabacalera)
Hoje, em vaguidão, fui a uma exposição de fotografia, numa antiga fábrica de tabacos em Lavapiés - o "Bronx" cosmopolita de Madrid. Me mudei para ali porque queria entender a essência da solidão.
Batuques batidos em ecos espaçados na outra entrada, som de goteiras nos velhos canos... Algo precisou rejuvenescer-se ali...
Mas nada tinha de macabro, nada tinha de "outro mundo" no ranger da madeira condicionada aos meus passos, aquele era só o meu mundo, de presenças "curiosas", efêmeras e congeladas como a linguagem, que só se degela no próprio pensar.
Não nasci com o dom de brincar com as palavras, neologizar... Nesse ínterim, encontrei-me a mim, a caminho da natureza morta visível, na linguagem em carne composta, para captar aquele mero estalo, sorrateiro, nascente, primeira gota de vida que ainda não endureceu corrompida pelos signos...
Nesse cenário penetrante, denso... de canos, velhice e tabaco, à nascente das palavras líquidas me mudo para degelar essa existência minha. Na essência sozinha. Como a fotografia, um instante casual congelado, que há de desfazer-se poesia; por fim, outra metade dura letrada. São cadeias do que é essa nossa prostituta vida.
Eu prefiro o vazio dos espaços, nebulosos, deformados, que respiram... O poeta há de ser sempre esse pai dolorido, porque o amor que há de fecundar e criar em versos já nasceu enterrado no mundo das coisas sofridas.
A forma é memória
e eu odeio poesia.
Comentários
Postar um comentário