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Des-fecho

O nosso amor já teve o seu desfecho, mar revirou-se do avesso, logo veio um fio de intuição: convidou-me pela mão. - mesmo enredo - mesmo cheiro... Era noite de baião. Te(n)são, que hoje des-fecho novo fôlego incerto. Vida, fui eu que lhe assoprei na estrada aqueles dentes de leão? O oposto do desejo  é desejo em dobro. 

O amor pede sempre

 linhas frias verso quente do amor alquimia que se transforma a cada hora à revelia da gente. A natureza assimila suas intempéries e a gente sustenta sempre a fantasia de compor enredos, contornar afetos, alimentar esse bicho que cresce. O amor pede sempre. Quanto mais ele pede, mais se cria, mas o que há sempre é a poesia perdida, o escape da vida à revelia da gente.

Carrego comigo

Não sei se esse choro indefinido é preocupação ou espasmo pelos nossos contrários, não sei se é ciúme fingido tentar segurar areia pelos braços e na estrutura profunda da linguagem enxergar nele o descompasso. Teu tempo é pra mim poesia que se entorna em meus horários, é amor, desespero ou desencanto poder sentir os teus lábios e desejar que boca nenhuma mais beije este meu velho canto que insiste brilhando  os olhos do meu amado.

Aos olhos vivos do meu amante

 Aos olhos vivos do meu amante a manteiga derretida de anteontem, a promessa de um amor além de instantes... É que a disciplina férrea me firmou os pés, deixou-me um furo para cada espaço - de lapsos, fluxos, ato falho... Ser de peneira ainda me leva além!

Acontecimento

Nunca vi nascer gente,  mas você já viu o nascimento da água  de uma fenda no meio da terra? Nasceu tímida como uma lágrima e brotou aos borbotões quando disse que me amava no cemitério da água eu estava acolchoada ao teu seio azul e à almofada do mundo, de onde surgiu o primeiro ancestral do homem,  de onde chegaram as primeiras caravelas. O amor coloniza o amor liberta onda sempre traz o amor que resiste onda sempre leva o amor que recomeça  como um peixe extinto  dormindo há 8 anos-luz da Terra, 8 deitado é o símbolo do infinito, mas eu nunca senti saudade saudade é a minha matéria tanto quanto a terra desconhece a cor da terra eu jamais desaprendi o som do teu sorriso, a música da tua pele em festa  e a noite com o farol dos teus olhos nos avessos do meu poema.

Convite

Se você vier pro que der e vier comigo... saberá que sigo um caminho de flores e espinhos,  de dores e amor imenso.  Conhecerás as palavras que curam feito medicina e que sabem repousar na tua música,  conhecerás minha solidão, amiga de todas as horas,  que se acompanha de outras e que regenera.  Saberás de meus olhos a beleza da vida e do ar, minha matéria,  dos afetos em estado de graça, se você vier pro que der e vier comigo... morrerás sempre um bocadinho, conhecerás minhas renúncias e os seres que me sustentam.  Se você souber fazer silêncio, tua música nunca será mais bela. Até aqui somos retas paralelas,  Até aqui a força do desejo nos impele, mas não sustenta.  Decida-se, amor, se vens ou se ficas,  porque minha natureza é a travessia.  Do porto de amor e movimentos bem sabemos,  mas o norte apita e e, assim como no primeiro dia, ainda te quero.  Com este mesmo amor, se não vens, me despeço  que o percurso é de aberturas e despedidas. 

Lira do movimento

Coração ferido  teimou de amar de novo, como um cão vadio, goza agora com gosto, goza agora choroso, goza agora incerto. Coração ferido  teimou de amar de novo, coagula e rompe frenético no tempo. Coração valente, de estabilidade eu não me lembro - amante sei também que, no espelho, esperar é violento. Coração vadio, por que teimou de amar de novo? No baralho, a certeza incerta,  mas escolheu o erro certo  e truco! Chora agora na lira do movimento. 

Livro

 Abre caminho a cada passo há de ser sempre assim. Amor se aprende amando e se desentope as artérias chocando,  ferindo, cicatrizando. Lá atrás se fez o caminho,  mas eu não vi - caminhava... Pode passar agora uma boiada  - a análise fria. Amor se faz errando.

Colcha de retalhos

Seios fartos, colcha de retalhos do amor presente com amores passados no mesmo compasso.   Peito vasto de acúmulos. Nada se renova - tuas cicatrizes me falam, cantam, gemem e sorriem.   Profundas são as nossas águas quando se juntam, Mas, como tu, não sou  mulher de seios fartos. Enquanto eu bailo de dois, tu bailas em mil.   Não entendi o enredo deste samba, amor... A esta hora, em pleno fluxo de pássaro ? que me recuso a compor desritmado Neste carnaval infeliz.

Erro certo

Se até o profeta Maomé um dia amou quem sou eu para furtar-me a este dardo cuja ausência me deixou  esfomeado? Bendito fardo lancinante agora ardo que até a mágoa evaporou. 

O nascimento do poema

As vezes eu ponho o poema para dormir Tão somente assim, quiçá se torne pungente, fermentando amorfo na calada da noite, assim como os lobisomens e as sementes. Se encrava-me um pelo  ou a unha,  um abcesso em contornos doirados dos serafins cacheados me amanhece. E ele desperta assim tão puro,  tão indecente, rasgando a matéria tão impunemente que lhe miro as fuças e oro (mãos em prece): - Amor, é a dor que te fecunda, mi-ra-cu-lo-sa-mente!

Máquina autocrática

 É preciso linguagem para fazer Amor que só existe no peito enquanto arde e quanto mais ele arde mais preciso da linguagem para fazer Amor. 'Amo-te' é belo, mas não cabe É preciso criar linguagem para fazer Amor  que arde E quando os músculos se contraem invoco linguagem catarse para experienciá-lo, Amor tal qual tirano que invade, dono de minha identidade,  riso e dor.  É preciso linguagem para alimentar o Amor.

Travessia

 o tempo todo vida nova brota pelos poros furúnculos de água nos recantos mais improváveis. Onde há desejo há um caminho sem página em branco o que existem são os pontos no incessante trabalho de redizer desde a vida recebida de outra vida, uma vez o nome, o futuro é a travessia no caminho da Lua Se a loucura me sorriu fui eu mesma que acenei fui eu mesma que acenei

Maria

Mania de Maria Maria de Mar salgado Eu te a.mar.ia, Maria na maresia e na ressaca, na fartura do teu leito todinho feito de música eu faço meu salto acrobático Caio de pé nem Morro nem Mato porque Maria é de aMar acolchoado em teus olhos mareados de outra aldeia.

Ela desatinou

 Você é amor que me lambe a ferida Meu coração, um tambor neste amar e desamar apaixonado, desiludido, ritmado  que Água e que séca.  Faço música se me dedilhas, feito cuíca alma geme, alma chora  Mas se me secas, tu me lembras do mundo: quanta água! Sigo e me recordo daquela velha  numa mesa de bar que me contesta. A vida é uma merda, porém bela. Tua poesia viva em mim de quem sabe amar até o fim. A vida é uma festa.

Casamento

 Tantas histórias atravessam meu enredo  (que nunca escrevo) Eu, circunscrita no vai-e-vem dessa vida sacana. Tantos homens me amaram,  outros me arrasaram, Uma me encantou em seus tantos passos, Bem-me-quer, mau-me-quer que bem-te-quero, mau-me-quero. A solidão, amiga gelada,  oras me dá as mãos,  oras me trancafia no quarto.  Mas a partir de hoje está resolvido:  Nem João, nem Pedro, Nem Maria, nem marinheiro, Caso-me contigo, Poesia. rainha de todas as paragens,  mirangens e escombros, dona dos encontros e desencantos. Nos percursos de rosas e pedras, Caso-me contigo  para viver a liberdade de amar quem eu quero.  Oh, Poesia minha,  que triangula todos os meus afetos! Torne-lhes prósperos, abundantes e sinceros. Vê se tu não me erras. Oh, Majestade minha,  hoje juro-te amor eterno!

Destino

Ele chegou, eu abri a porta trancada amou-me bem  até a segunda página. Para a França, sem adeus.  Portugal me atracou. Brasileira, da província,  cosmopolita, sou. Bem comida: onze anos vegetariando e devoro-te uma coxa de galinha. Bem amada: após oito anos, bebo da tua água renovada. Atrás da Porta, o adeus de outrora  é um bilhete em branco que nos espreita. Música na vitrola: Espumas ao Vento, em teus braços e tetas teu cheiro ainda me forrozeia. Destes olhos que me comem... teu chapéu de malandro dança E eu suspensa (entre Paris) - rio, Fêmea insaciável, tu me dizes, em rodopio.

Chapéu, calça, mocassim

 Há em mim um espanto de chapéu, calça, mocassim mau-amado, ele me espanta, me reclama,  me arranha, que me derreto maldizendo a mim. sexo contido,  assim, íntimo, do avesso, goza em mim range-me os dentes e, assim, mau-querendo, encaixa-se tão bem dentro de mim.  Há em mim um espanto - que me insiste de homem - que me revive sem nome,  hoje espantei com rouge e baton mas vive entre meus peitos, o tirano petrificado no tempo de chapéu, calça, mocassim. 

Solar

Quando nesta madrugada perdi o fio da meada, eu vi o sol nascer sem você e me lembrei das nossas barracas. Crianças confinadas num condomínio de 12 prédios, 17 andares sabem fazer-de-conta. A gente morava no arranha-céus porque tínhamos asas. O plano era o de sermos as primeiras a ver o primeiro raio de sol despontando na passagem. E quando ele saia redondo da montanha do Laranjal, era o auge. Tempos depois, quando descobrimos que do outro lado do planeta os japoneses roubavam nossos primeiros raios de sol, você começou a dormir, sensata. As vezes o sol trazia a famosa "paia-piscina-vevete" com o Zé Ramalho alto do nosso pai pelo quarto... E ficávamos com aquela "cara de Thays"!... De todas as brincadeiras da nossa infância, é ele, o astro-Rei, nosso primeiro amigo. Quando a janela da alma se abre, inda peço a ele pra iluminar teu pensamento, ser teu guardião, trazer inspiração e um samba bom pra quem cedo madruga em reverência e faz-de-conta na recordação.

Ela

  O coração ainda sangra E a Vida vez ou outra ainda espeta  A Dor só quer saber-se viva, renitente. Ventou, passou água fria, água quente... Coração sangra E ela me sorri orgulhosa e sem dentes. Alimenta-se da minha ferida, Oh, cruel parasita! Não sou eu a louca da casa? Meu Deus, tira esse rato da minha mesa!  Mas minha prece não percorre a Terra,  não sabe subir até Deus. Ecoa. Não vês que acabou a festa? E passou o tempo, passou o vento  e a vassoura nos pés dela. Como um jumento que empaca, Fomos da sutileza aos pontapés, no tapete da sala. E a Vida piadista, que não perdoa,  ainda espeta. Mais ela sangra na minha janela, e na mesa de jantar, e na frente dos convidados, e no banquete principal, Me espanta. Já pus até no colo,  Admirando-a como a uma criança,  mas é ingrata, não se consola e me fere. Eita que dói e não pára,  me desonra e desobedece! Lavei as minhas mãos Mas ela, então, lacrimosa e sem dentes, permanece.

composição

nunca compus versos, nem rimas,  nem música.  compor é aposentar armas,  desapego. não pode ser tarefa do vento,  nem possessão mediúnica. hoje, só hoje, decidi compor com o tempo,  nem rimas, nem versos, mas habitei-me entre meus extremos  - sim e não: partes dissonantes de um caminho uníssono.  Peregrina, nunca pude parar no caminho. observar a lua de passagem é meu exercício. então sigo me equilibrando,  compondo choro e riso,  pisando em pedras como em ovos, até que deparei-me com uma nascente:  sentimento inédito.  nunca que me percebia cruzando um caminho de Compostela quando adentrei minha floresta. Desovando pedras, percebi uma melodia no caminho.  - poesia é profecia. Sê amiga das palavras:  uma velha me dizia, que elas traçam o meu destino. 

restos

 odeio-te em meus recantos odeio-te nesta tarefa incessante de remover detritos de aspirar teu pó e catar teus cacos.  odeio pisar na tua terra e sentir-me estranha na tua aldeia odeio tua saída desastrada e desonesta da minha vida e ter de conviver, todos os dias, com esses restos de afeto.  odeio-te quando revira-me de esquecimentos e não encontro remédio odeio-te em meus versos.

Tarde de chuva

 Hoje chove em Rio Branco e me recordo do cheiro da chuva no quintal da minha avó. Ela ainda mora lá onde o vento faz a curva.  Tempo passava e eu não contava as horas observando a roda de fiar incessante da minha bisavó em sua máquina de costura. Como era bom simplesmente observar, sem ter que aprender coisa nenhuma, apenas observar.  Sinto saudade de quando a gente corria para tirar as roupas do varal antes de cair a chuva, e de pentear os cabelos ralos da cabeça morena do meu avô e ouvir as histórias mestiças da minha bisa...  Ainda que as nossas heranças turcas e indígenas nunca houvessem existido, elas me moldaram, no sotaque de guerra que a minha bisa nordestina nunca perdeu.  As suas dores a tornaram desconfiada de tudo e de todos, mas nunca lhe roubaram a ternura e o sorriso banguela.  Saudades de ver vovó colecionando selos de todos os jornais que ela lia, todos os dias, para checar as informações, muito antes de se popularizarem as fake news dos anos doil mil. Saudades do seu

In natura

 Passarinho azul me ensinou a contornar cada fissura com um belo cercado e seguir de fronte leve porque in natura tudo se transforma ao seu gosto orgânico compassado Passarinho azul não se afogou de Bukowski para conduzir-me ao coração da mata escura, esguia como um caçador. De silêncios edificou-me a fortaleza,  reergueu-me não sei d´onde quando a mente aterrissou. Nunca ouvi sua palavra, mas lá no Sul profundo de minh´alma, a sós,  um canto livre, ele bradou.

Prece II

Pisei na mata descalça guiada por uma rosa dos ventos. Alma chorou sob o céu mais bonito,  onde há tanto calor. Uma espada de vento movendo o tempo, uma vela acesa: prece calada que fura  a arma-dura. A sós em meu leito, pressinto:  100 anos de busca findou.  Silencia, Serena, que a tarde caiu na linha do Equador.