Irmã de rapina

(Fonte: www.revistamundoeco.com.br)


Um belo dia escolheu a coruja para sua realidade anímica, hipótese que, de começo, rechacei por achar que o signo fôra corrompido pelo nosso vulgar sentido de fidelidade; na verdade o que temia eram suas poderosas asas de rapina, a velar nessas escuras madrugadas,
sozinha.

Existe sempre algo de Narciso no amor que a gente sente, na proteção que dedicamos através dos braços os quais não temos... que nos torna heróis da gente mesmo... E foi assim, sem sentir, que me instalei no posto de vigília e fui eu mesma a mãe-rapina, a cuidar-te de qualquer precoce voo largo, distante, perigoso, para que nunca portastes os arranhões tais quais os me criaram a vida.

Mas foi inútil, pois que criei uma teimosa ave, mais sagaz nos furtos de si e no engenho que eu mesma... Arranquei-me as penas! Do seu mítico nome, hoje, sabedoria eu vejo, o maior dos apelos... E naquele ímpeto, que no homem que desassume um posto é egoísmo e no animal que voa, natural, que te tirei de minhas asas para seguir meu caminho, que há de ser sempre sozinho, para que te arranhara a cara e te levantaras, em um voo claro, decidido.

Foi dolorido, mas a clave certa da nossa irmandade. Hoje nos unem correntes, de vento, de tempo, de noites, e a solidão que nos engrandece e fortifica, a natureza, os olhos fundos...
Porque esses tempos distantes quebraram meu espelho com as velhas garras de superfêmea, cultivando-me olhos esquálidos, resignados, que enxergam e velam,
mas de cuidados falhos.

E aquele voo trôpego e furtivo, reprimido, deu lugar a um voo duro, plano e juvenil... Então adiante!
Pássaro de prata, que não há de ser meu! Acima de ti, o céu... e o seu ar de inconstância e promessa, que também há de ser seu,
mas abaixo a terra... tranquila, que se tropeças dela não escapas, a sua mãe segura, de olhos graves, sóbrios, marrons, sentinelas, sábios,
seus...

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