Amor de canela


Dela, a memória mais pura é a olfativa, em forma de presente, nostálgica e viva.


A memória mais terna que tinha daquela mulher tinha rastro de corpo. Na verdade, era puro corpo. Aroma, paladar e cor.
Senhora que exalava mel, de poucas palavras. O que nos ligava não eram confidências, apelos ou demandas, mas o silêncio das tardes de biscoito amanteigado com chá de maçã.
O leite com canela, os peixes do aquário... A contemplação. O cheiro de alecrim da comida, nos dedos, cabelos... Sua alma tinha esse frescor doce e cítrico que a gente precisa tragar de uma vez.
Amo aquela mulher sem por quês... Um amor que vem de pele, do calor das mãos, do suspiro externo e alheio que sinto vibrar no peito, terra fresca.
A avó e a neta... Duas almas de oceano fundo, claro e calmo, que se cruzam e se afastam, com as brisas do uno passado, velho e adocicado, e promessas fluidas de um futuro cada vez mais entrelaçado, talhado no pingente da neta, broto de jasmin...
A vida é o outro lado e o nosso laço aromático e inerte no tempo dos incansáveis chás das cinco,
do amor em maná materializado, é a cada dia o ultimo suspiro, o interlúdio entre vida e partida, entre um corpo que se derrete e o outro que retoma sua parte, o sentimento de céu em cada sopro do corpo daquelas idades...
Nosso amor é reflexo, sentido e indomável. Puro espirito, à moldes de barro.


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