Eu te amo. Só não lembro...


Deixei meu amor para viver na Espanha. Aquele amor terno, doce e gentil... Seus cabelos eram de primavera e floresciam naturalmente. Tinham vida própria e se encarapinhavam, claros e suaves, no meu rosto, na minha nuca...

Não. Meu bem não tinha cabelos de primavera. Talvez seus cabelos fossem invernais, de tão escuros, indiferentes, cortantes, de lado - como um abrigo velho ao sentir as rodas mecânicas de um aquecedor elétrico... 
Era isso aquele meu amor... Inverno de aquecedor!
E não era doce, terno, tampouco gentil... Era indiferença presente, carícias calientes, desejo, intriga... 
Não. Era volúpia! E dor... Ai, o meu amor...

Era brasileiro, como Deus. Ou colombiano de sangue grosso... Um Buendía da sofrida estirpe. Sobrevivente! 
Mi cariño tinha nos dentes as cores de sua bandeira e o cheiro doce do próprio fumo... Olhar grave de quem não sorria. 
Era lindo! Mas intocável. O que fazia dos contatos íntimos o não contato.
Era mesmo um amor falhado. Com os beijos de outra era...

Não, não chegou a ser amor! Não pôde... Pois por mim ele passou como o tempo apressado, impositor, comensurável, como tudo a que não se presta o amor.
Não me lembro. 
Eu me lembro... 

Meu verdadeiro amor sabia surfar ondas de dois metros e incertitumbres encarar... Era de águas profundas e vivia de vento. Mas era inverno. Eu sou aquecedor elétrico...

O amor não tem sexo. Mas acho que sua bandeira é holandesa, com aroma de jazz... Não só aroma, mas essência, porque se inebria, sensualiza, flutua... 
É amor de cinta-liga com cerveja. Curioso, avant-garde, levemente desconfiado, apaixonado e livre, incompleta obra de arte... 
Amor que se alimenta de hoje, na tua ausência.

Te quiero, mas tateio... Eu sinto, mas não te vejo! Desencontro-me, reconstituo, confundo, sofro-te, amo, mas de ti muito já nem lembro...

... Algo em mim se esgotara naquele abraço...
- A memória opaca.

Engulo entáo, forte e violenta, a saliva, pois meu baile não pode fluir assim impune, sem identidade e alegoria. 
Se amor, que atemporal fosse... Não. Que atemporal seja!
Esqueço, pois, o jazz e os cigarros. Sou um aquecedor elétrico e estou em pleno inverno. Da saliva nada me escapa... Aprisiono tu recuerdo!

Eu te amo. Só não lembro...

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