Indagações de uma viúva negra
Uma cantiga de infância se repete e se repete na minha cabeça. É a música da Dona Aranha. A tradição indígena a conhece por vó aranha, mas pra mim ela é uma viúva cheia de sex appeal, a sinistra viúva negra. Sei que quando adormeço, ela vela meu sonho - presença teimosa e insistente, pra me relembrar daquilo que quero esquecer, ou daquilo que sou? É verdade que matei todos os homens que se relacionaram comigo. Sou eu que teço todas as realidades e prendo o infeliz, mas acho sempre que sou eu a presa. Depois eu engulo, mato e calo, dentro de mim para que não se repita o trágico fim da minha infância. Perguntei-me com coragem ontem antes de dormir... o que será que está por detrás do instinto da viúva negra?, por que ela re-produz e re-produz esse ato criativo e assassino sem cessar? Ela deve ter tido o mesmo pai e a mesma mãe que eu... Mas eu mato amor-tecida, ou amor-teço para matar. As aranhas são escritoras, assim como eu, e não param de criar e tecer armadilhas.