Lágrimas de estrelas


A crisálida está rompendo 
e na alma chove uma chuva sem estio.
Quatro anos do temporal de Macondo 
jorrando dentro da casa.

A menina carregava baldes d´água e desentupia os canos
O pai que não parava de trabalhar, hoje não saiu. 
A mãe que não fala, danou-se a contar causos
O agregado que aninhava-se no banco de areia 
deparou-se com a imensa correnteza.

A chuva veio de fora
e eu trovejava de dentro,
porque vi uma vida se desenrolando dentro de outra vida
- mas estas coisas não podem ser ditas.

Só sei que eu olhava, de dentro, a menina, 
de cabelo roxo, na primavera da vida.
- que tarefa ingrata desentupir canos! 
Acho que se ela pudesse correr, ela corria,

mas como interromper o fluxo?
A chuva chovia. 
Alguém há de pôr as mãos na sujeira dessa alma coletiva
mesmo sem compreender e praguejando contra a vida,
porque sempre existe uma inteligência feita para nos escapulir. 

Eu vi a água subir,
e subia,
e subia,
até que chegou no pescoço da menina.

O mar, então, invadiu todos os cômodos, e o banheiro, 
e as casas dos vizinhos...
a Mãe Porca devoradora da cria faleceu no seio da outra,
que danou-se a contar causos e a florir no leito d´água, 
lágrimas de estrelas.

Não restava mais nada a ser feito 
e então todos deram-se as mãos e o dia morreu. 
Eu, que trovejava, vi tudo acontecer ali dentro da crisálida
e foi assim que alcei vôo pro céu. 



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