Malfeição poética
E naquela noite preenchida pelo ofício, encontrou-se com seu malfeitor.
A despeito de sentir-se gradualmente senhora de si - fato conquistado pelas desconhecidas vias da sedução sucedida a cada sessão com seu analista -, a mulher, por ora menina, se fazia de donzela para com seu corcunda de Notre-Dame moderno... - Por quê raios isso sucederia?...
Seduzida e sedutora, sentiu, repentinamente, naquele mesmo local povoado pela solidão dos chopes gelados e sorrisos espinafrados trajando paletó, um cheiro inconfundível de sexo... cheiro do mais sujo sexo...
Na mesa escura, frases de Foucault e o repulsivo odor... de sexo molhado e apodrecido.
A menina, fresca, embrulhada em seu chale rosa, seduzida pelo experiente olhar desnudador - que sabia encontrar-se com enigmas sem destruí-los; revelador de profundas meias-verdades; poeta e jogador -, sentia asco da mera lembrança daquela língua, que revelava seu escuro propósito sendo língua... invasiva, dura, hélice de helicóptero, que; triturando, moendo seu dúbio querer, tratava-a como ser instrumental - desalinhada e desritmada, recolhida... na transgressão à fina, fluida e dionisíaca música dos sentidos e do perdão.
Não! Ela queria morrer o dia! Estava de frente ao seu asco e mesmo assim estava mole, dançando!... como quem vira o rosto e cede o corpo, acariciado pela repulsa...
Ainda não era senhora de si... mas será que algum dia o seria?...
Desesperada pelo fim, cedeu ainda... a alguns vários copos.
No céu, sua matrona Lua... Recobrou a visão. Disse não! Desejou o longo caminho de casa.
Como num ciclo: a mulher do ofício, a donzela à perigo, a filha com saudades da terma uterina, do regressivo giro...
Lágrimas descompensadas, a solidão a acolheu em casa e, no dia seguinte, uma transmissão apaixonada... ela; entregue, nua e sedutora, no divã dos olhos do analista... ou - diria - seduzida, como quem redime
e ama, no vazio, o próprio reflexo.
Comentários
Postar um comentário