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Ponte para Pasárgada

Galo cantou no orvalho da madrugada. Poesia chorou nos recônditos de mim. Libertei um prisioneiro às seis horas da tarde, nesse tempo misterioso que não é dia, que não é noite, que é o vazio dos sentidos - interlúdio, passagem o silêncio de Deus. Nessa hora, as palavras não conseguem velejar estão em vigília num tempo morto. Sinto o peso do nada. Ele nada, tu nadas, eu nada posso saber do mar. Quem é que sabe nadar? Perscruto o tempo - aperto o botão de rosa para saber do que dela sai. Machuco a rosa e nada de metafísico descubro no nada. Quisera me espremer para desvelar uma palavra... mas o nada, o nada o nada o nada. nada de chão, nada de cão, nada de pão, nada de beijo, nada de água. Olho pro vento, quisera conhecer as indagações do tempo... mas ele também não é nada. Deus fez o homem que cria que sonha que pensa e filoso-fia, rei de uma angústia desconhecida, - não pode valer-se é de nada!

Indagações de uma viúva negra

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Uma cantiga de infância se repete e se repete na minha cabeça. É a música da Dona Aranha. A tradição indígena a conhece por vó aranha, mas pra mim ela é uma viúva cheia de sex appeal, a sinistra viúva negra.  Sei que quando adormeço, ela vela meu sonho - presença teimosa e insistente, pra me relembrar daquilo que quero esquecer, ou daquilo que sou? É verdade que matei todos os homens que se relacionaram comigo. Sou eu que teço todas as realidades e prendo o infeliz, mas acho sempre que sou eu a presa. Depois eu engulo, mato e calo, dentro de mim para que não se repita o trágico fim da minha infância.  Perguntei-me com coragem ontem antes de dormir... o que será que está por detrás do instinto da viúva negra?, por que ela re-produz e re-produz esse ato criativo e assassino sem cessar? Ela deve ter tido o mesmo pai e a mesma mãe que eu... Mas eu mato amor-tecida, ou amor-teço para matar.  As aranhas são escritoras, assim como eu, e não param de criar e tecer armadilhas. 

Lágrimas de estrelas

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A crisálida está rompendo  e na alma chove uma chuva sem estio. Quatro anos do temporal de Macondo  jorrando dentro da casa. A menina carregava baldes d´água e desentupia os canos O pai que não parava de trabalhar, hoje não saiu.  A mãe que não fala, danou-se a contar causos O agregado que aninhava-se no banco de areia  deparou-se com a imensa correnteza. A chuva veio de fora e eu trovejava de dentro, porque vi uma vida se desenrolando dentro de outra vida - mas estas coisas não podem ser ditas. Só sei que eu olhava, de dentro, a menina,  de cabelo roxo, na primavera da vida. - que tarefa ingrata desentupir canos!  Acho que se ela pudesse correr, ela corria, mas como interromper o fluxo? A chuva chovia.  Alguém há de pôr as mãos na sujeira dessa alma coletiva mesmo sem compreender e praguejando contra a vida, porque sempre existe uma inteligência feita para nos escapulir.  Eu vi a água subir, e subia, e subia, até que chegou

Era uma casa muito engraçada

Era uma casa muito engraçada, De três quartos, três banheiros, varandas, chão e teto. Era feita com muito esmero para mamãe, marido, A filha mais velha, a mais nova e o agregado: um cachorrinho. Do adeus que mamãe deu à vovó, ela criou uma ilha pra gente morar e ser feliz: ali na Rua dos Bobos, no número zero. Era uma casa grande e confortável que, então, encolheu. Filhinha mais nova saiu para uma ilha mais distante e quando retornava de mochila para tomar água, já não cabia. E mamãe dizia pra filhinha: - está tudo bem. Tem visita no quarto. Filhinha mais nova dormia na sala. E mamãe disse outra vez: - Tem outra visita, aqui também. Filhinha mais velha e filhinha mais nova se apertaram então em um quarto. A mais velha queria construir uma ponte, - se sentia toda poderosa! E saía e voltava, se irritava com as fachadas rebocadas, com a ilusão de ótica que via na casa. Eram todos felizes. Filha mais velha estudava no banheiro pra não atrapalhar as visitas. Ma

Lua Nova

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Sonhei que não mais falava   e mergulhava em um mundo de imagens   através de uma câmara secreta.   Dentro da caixa eu pendurava em um varal pedaços de medo,    ódio, vergonha e pureza   como uma artista.   Agora, para  que  as palavras?   Penetrava o Universo da alma   que engoliu uma cebola inteira   para sustentá-la presa   na gravidade de uma goela.   Chorando, a gente degela o que vem antes das palavras   no interior da existência.   Agora, eu tratava era de cor, brilho e saturação,   de tempo.   momento a momento...   Com zelo e beleza, reconstruía a memória inteira   rarefeita   no raio da manhã.  

Rosa dos ventos

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Felicidade abre as portas inesperada, confunde-se com os raios de sol de minha janela e os campos abertos de minha mãe. É ela quem me guia e me orienta nessa vida tempestuosa de excesso de vida e informação minha mãe é ventania, minha mãe também é uma brisa... Ai, Rosa dos ventos!... eu não posso te pegar. Vem dançar comigo quando quer, uma e outra vez... Ópaí! Fez a curva... Veio trazer a direção.

Espelho d´água

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As águas do mar balançam violentas Mas é no mar onde tudo se encontra Todo dia, todo tempo, não há escolha ou alternativa. Sonhei com um reflexo perturbado, sofrido, com cabelos de medusa, vagueando rasgado pelas ruas... o trânsito, as drogas, a loucura. Angustiada te liguei e em minutos tudo passou em mim... obstinação, controle, provocação, saudade, lágrimas, raiva... Panos e panos se descamando, minhas águas descortinando, O absurdo das suas palavras... Peixe do mar salgado ficou com saudades da lagoa. A imagem... Parte decrépita de mim que recusa morrer. Quer saber? Não pude ver você. Vi o espelho d´água que vem... e foi. Por detrás do pano rugoso da teimosia e do orgulho, do rosa chock do perfeccionismo antigo, eu vi mamãe azul em você.