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Lágrimas de estrelas

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A crisálida está rompendo  e na alma chove uma chuva sem estio. Quatro anos do temporal de Macondo  jorrando dentro da casa. A menina carregava baldes d´água e desentupia os canos O pai que não parava de trabalhar, hoje não saiu.  A mãe que não fala, danou-se a contar causos O agregado que aninhava-se no banco de areia  deparou-se com a imensa correnteza. A chuva veio de fora e eu trovejava de dentro, porque vi uma vida se desenrolando dentro de outra vida - mas estas coisas não podem ser ditas. Só sei que eu olhava, de dentro, a menina,  de cabelo roxo, na primavera da vida. - que tarefa ingrata desentupir canos!  Acho que se ela pudesse correr, ela corria, mas como interromper o fluxo? A chuva chovia.  Alguém há de pôr as mãos na sujeira dessa alma coletiva mesmo sem compreender e praguejando contra a vida, porque sempre existe uma inteligência feita para nos escapulir.  Eu vi a água subir, e subia, e subia, até que chegou

Era uma casa muito engraçada

Era uma casa muito engraçada, De três quartos, três banheiros, varandas, chão e teto. Era feita com muito esmero para mamãe, marido, A filha mais velha, a mais nova e o agregado: um cachorrinho. Do adeus que mamãe deu à vovó, ela criou uma ilha pra gente morar e ser feliz: ali na Rua dos Bobos, no número zero. Era uma casa grande e confortável que, então, encolheu. Filhinha mais nova saiu para uma ilha mais distante e quando retornava de mochila para tomar água, já não cabia. E mamãe dizia pra filhinha: - está tudo bem. Tem visita no quarto. Filhinha mais nova dormia na sala. E mamãe disse outra vez: - Tem outra visita, aqui também. Filhinha mais velha e filhinha mais nova se apertaram então em um quarto. A mais velha queria construir uma ponte, - se sentia toda poderosa! E saía e voltava, se irritava com as fachadas rebocadas, com a ilusão de ótica que via na casa. Eram todos felizes. Filha mais velha estudava no banheiro pra não atrapalhar as visitas. Ma

Lua Nova

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Sonhei que não mais falava   e mergulhava em um mundo de imagens   através de uma câmara secreta.   Dentro da caixa eu pendurava em um varal pedaços de medo,    ódio, vergonha e pureza   como uma artista.   Agora, para  que  as palavras?   Penetrava o Universo da alma   que engoliu uma cebola inteira   para sustentá-la presa   na gravidade de uma goela.   Chorando, a gente degela o que vem antes das palavras   no interior da existência.   Agora, eu tratava era de cor, brilho e saturação,   de tempo.   momento a momento...   Com zelo e beleza, reconstruía a memória inteira   rarefeita   no raio da manhã.  

Rosa dos ventos

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Felicidade abre as portas inesperada, confunde-se com os raios de sol de minha janela e os campos abertos de minha mãe. É ela quem me guia e me orienta nessa vida tempestuosa de excesso de vida e informação minha mãe é ventania, minha mãe também é uma brisa... Ai, Rosa dos ventos!... eu não posso te pegar. Vem dançar comigo quando quer, uma e outra vez... Ópaí! Fez a curva... Veio trazer a direção.

Espelho d´água

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As águas do mar balançam violentas Mas é no mar onde tudo se encontra Todo dia, todo tempo, não há escolha ou alternativa. Sonhei com um reflexo perturbado, sofrido, com cabelos de medusa, vagueando rasgado pelas ruas... o trânsito, as drogas, a loucura. Angustiada te liguei e em minutos tudo passou em mim... obstinação, controle, provocação, saudade, lágrimas, raiva... Panos e panos se descamando, minhas águas descortinando, O absurdo das suas palavras... Peixe do mar salgado ficou com saudades da lagoa. A imagem... Parte decrépita de mim que recusa morrer. Quer saber? Não pude ver você. Vi o espelho d´água que vem... e foi. Por detrás do pano rugoso da teimosia e do orgulho, do rosa chock do perfeccionismo antigo, eu vi mamãe azul em você.

Breve diálogo

Hoje estava na janela, distraí-me o bastante e a Poesia me pegou. É assim que ela tem feito todos esses anos.  Fujo dela porque lhe faltam delicadezas. Às vezes ela me leva para um poço profundo e me põe a pescar palavras...   Desse ofício não se sai mais o mesmo.  Já gritei com a Poesia inúmeras vezes, prestando odes à Loucura e a Fantasia. Mas empreendo a Fantasia é na própria vida. Pois que, se escrevo, sou capturada outra vez pela Outra.   Quando fico doente o bastante para criar bolas de pelo na garganta e no peito, busco acupuntura e terapia e não tem jeito... lá vem outra vez a Poesia.   Fato é que ela não desiste de seus filhos e cura desde as profundezas.  Pois hoje lhe encarei as fuças e... quer saber? Cala-se a Poesia porque ela desata nó. Poesia é caminho de quem é. Poesia é crua. Faz poema quem mergulha.    E a Dúvida é decisão pela racionalização. É ficar no tampão. Dois caminhos dividem, fragmentam e matam. Ninguém quer morrer, ninguém quer de

Amor.tecer

Amor.teci todas as vezes que inventei que Cupido veio me visitar.  Amor.teci na obstinação de criar enredos e enlaces para embalsamar minha criança ferida com contos convenientes sem saga de príncipe em busca de princesa; amor.teci porque não havia princesa, tampouco príncipe, tampouco a narrativa de alguém.  Amor.teci para “amar”, porque não compreendia que o único que cabia na vida era o trabalho diligente de desentupir   canos e prontificar-se para o a(mor)contecimento.  Amor.teci porque estava cansada de esperar por Deus, porque fui atrevida o bastante para pensar em criar; amor.teci para brincar com as palavras, encenar, divertir-me e sonhar dentro do sonho de alguém.  Amor.teci por inveja e para viver morrendo.  Para des.a.morte.cer, o coração receitou duas horas de poema por dia, para desencravar os pêlos e desnudar a carência que ainda tece... A.morte.cia.