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Papel Canson

Poderia ter feito um milhão de coisas antes que a chama se apagasse... Se eu fosse tonta o bastante pra não sentir medo, eternizar-te-ia naqueles momentos sublimes... Não sairia jamais de casa, deixaria mais amores em versos e beijos de bom dia eterno... Quanto aos seus olhos tristes, repousados, dissonantes naquele corpo primitivo que amei tanto, que senti tanto, ainda gritam, suplicando: expressão!... Mas seus traços um dia me escaparam à visão... Se, talvez, implodisse menos e te engolisse com antropofogia e berração de paixões em aquarela, te exaurisse a recordação... Mas sangro só de entropia, em tua geleira turvo-cinza, Imaterial, a reunir pedaços de tempo, que esgotar-se-ão de dureza e finura, em desejo e loucura... Curvilíneo esboço, riscado em papel Canson!...

I

Imagem
(imagem: autor desconhecido) Peixe tem alma coletiva... Fui particionada. Escutastes? Mutilada! Choro de dores invisíveis... Preciso encontrar-me meu cardume.

Estranho hóspede

Esses dias conheci alguém que trouxe para morar na minha casa, que me desalojava a cada dia, a cada palavra que de mim saía... Eu expunha, dizia, pois trabalhara o projeto de construir a ponte que ligasse os pólos da gente que se perdia... Só havia o silêncio. Então comecei a preencher os espaços... Lhe contei do meu passado, lhe pus a par das minhas feridas e, a cada frase à ventania, objetos da minha casa sumiam... Primeiro os lençóis da cama, depois o envoltório do colchão. E as malas... - Já não podia partir... As horas passavam, os dias, as coisas, e mais e mais eu me apegava àquele estranho distante, que comeu da minha comida. Por último, se foram as chaves de casa... Como sou desajeitada! Uma pária... Fiz-me então não-presença, só pra não desconfortar... ... Palavras íntimas dentre nuvens negras são corrente arquitetada de afeto. ... Ontem chorei detrás da cortina. Chiquitita de mim... Nunca mais tive casa desde a necessidade de amar e ser amada que sempre se apossara

Fragmento

...Não dispunha de armas que lha abrigassem do vento das próprias palavras. Descortinava-se. Desculpava-se, como desajeito de ser ela... ...Reinventar-se! Eis o novo-velho lema.

Eu te amo. Só não lembro...

Deixei meu amor para viver na Espanha. Aquele amor terno, doce e gentil... Seus cabelos eram de primavera e floresciam naturalmente. Tinham vida própria e se encarapinhavam, claros e suaves, no meu rosto, na minha nuca... Não. Meu bem não tinha cabelos de primavera. Talvez seus cabelos fossem invernais, de tão escuros, indiferentes, cortantes, de lado - como um abrigo velho ao sentir as rodas mecânicas de um aquecedor elétrico...  Era isso aquele meu amor... Inverno de aquecedor! E não era doce, terno, tampouco gentil... Era indiferença presente, carícias calientes, desejo, intriga...  Não. Era volúpia! E dor... Ai, o meu amor... Era brasileiro, como Deus. Ou colombiano de sangue grosso... Um Buendía da sofrida estirpe. Sobrevivente!  Mi cariño tinha nos dentes as cores de sua bandeira e o cheiro doce do próprio fumo... Olhar grave de quem não sorria.  Era lindo! Mas intocável. O que fazia dos contatos íntimos o não contato. Era mesmo um amor falhado. Com os beijo

O lobo de mim

"Preciso atender o lobo, esquecer a pluma da boa vertigem, e a rejeição que há no medo de apanhar do meu senhor." (Patrícia Porto) Assim me encontro... Ao encontro desse lobo de mim que sabe cair sem ser atirando, que à incerteza do vento oferece o rosto, que não mais luta contra si... ... Encontrar numa viagem o meu lobo, que vive livre pelo instinto, d e aparadas garras escorpianas e vívido sonho de nirvana do dia mais feliz... Avante encontro à fera da alcatéia! Sem senhor cristão de escravizar e conduzir... ... Quebro então essas muralhas intransponíveis. Na solidão do si, sei que posso viver livre sentir pois à luz da lua cheia residirá sempre um olhar mareado, clareando o madrileño vivir, desse animal que vive em mim... ... Só de pensar quantos lobos engoli!...

Silêncio

Gasto maior parte do meu tempo no silêncio dos meus ponteiros e raciocínios. No silêncio dos meus amores. No silêncio da minha solidão. A mente não divaga. Já se vê livre... Não me contemplo quando releio e releio meus antigos escritos, tampouco me conheço. Eu sinto... Um sentimento sem clareza, nem objetivo. Sem alvo, nem origem. Sentimento puro e simples, cujo som é pano de fundo, e o hábito da escrita, teia de desculpas, mera ilusão de que um algo faço nesses momentos, quando me dedico ao nada de dentro... Nesse stop de vida, há quem diga que a truncadas e importantes conclusões eu chego; outros, que nesse meu olhar perdido, me perco. Mas não é nada disso. É à essência do nada que chego. E é só assim que me encontro. No encontro com o nada que desejo.