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Queria era que tu apreciasses

Queria era que tu apreciasses aquela ostra na praia, não a carne mole, mas a pérola que surge da poeira no aconchego das cavidades internas. Queria era que tu apreciasses o cheiro do sal, os segundos que compõem este poema e o minuto que se decantou agora feito grão de areia. Queria era que tu apreciasses a beleza perdida e renovada  nas intempéries do tempo, mas você fala e você fala e você fala e não nota. Acontece que tu me amas e me pedes que eu fique eu fico. com os olhos na praia, com as mãos na ostra, banhada em teu cheiro de casa enquanto buscas o vento de outra piada e você fala e você fala e você fala  e não percebe que eu sou  como aquela água que bate na pedra. Dizes que eu tiro leite de pedra? Queria era arrancar o teu silêncio como saia  que revela. Mas tu que cantas teorias e cidades, se tu visses e amasses aquela ostra azul da praia, algo de mim, talvez soubesses...

o amor A-parece

Uma vez bem que pensei  que o amor fosse uma âncora na bahia para confortar dias sem peixe e celebrar festas no cais. Sonhei com o amor como brisa refrescando a estiada, acalmando a brasa das paixões febris. Pensei que o amor curasse e que, como os abacateiros da refazenda, semeasse amanhãs... Mas amor não parece bahia, nem brisa o amor A-parece em mim como um vão, um mosquito que zumbe, insondável mistério - apagão na razão. Eu sonhei com um bote de salvação, mas amar é o norte  que só procura quem já perdeu ou a busca de um norte na beira da ilha sem bote - travessia, se já abraçamos as mãos.  Amanhã pode ver nascer mais um, amanhã pode ser que não seja mais nós, amanhã pode ser que seja eu, apenas eu  numa triste bahia encarando a morte: outro norte.                                                                     Ou não. 

Rédeas II

Derradeiro momento  para se encontrar um grande amor ferido por outro grande amor. Disse que me ama loucamente porque tem peito de amar assim,  mas disse que dessa vez quer ter as rédeas na mão atravancando caminho então mergulhei bem direitinho coloquei os pés no chão e então vamos seguindo entre trancos e solavancos entre flores e espinhos pedras e negociação. 

Rédeas I

páginas em branco mordem palavras disformes no céu da cabeça músculos se retorcem  desenhando um nó no pescoço Ando com a garganta na penumbra da morte das palavras cruciais. Ali aonde jaz a palavra sobram os feitos e o chicote da língua dos outros. 

Então chove

No avarandado do meu coração descobri do amor coisas incertas. Ao não-sei-quê de desespero, acenou o silêncio das borboletas, porque viver é um instante enquanto o passado lateja. Bom mesmo é amar fingido de besta na superfície da delicadeza, com a ponta dos dedos, com a face dos pés. Doralice lançou agora um grito  Mas João sempre amanhece. Então chove... Porque o amor cutuca o amor (ainda) provoca. Bom mesmo é esperar na varanda Enquanto a paixão arrefece. 

Des-fecho

O nosso amor já teve o seu desfecho, mar revirou-se do avesso, logo veio um fio de intuição: convidou-me pela mão. - mesmo enredo - mesmo cheiro... Era noite de baião. Te(n)são, que hoje des-fecho novo fôlego incerto. Vida, fui eu que lhe assoprei na estrada aqueles dentes de leão? O oposto do desejo  é desejo em dobro. 

O amor pede sempre

 linhas frias verso quente do amor alquimia que se transforma a cada hora à revelia da gente. A natureza assimila suas intempéries e a gente sustenta sempre a fantasia de compor enredos, contornar afetos, alimentar esse bicho que cresce. O amor pede sempre. Quanto mais ele pede, mais se cria, mas o que há sempre é a poesia perdida, o escape da vida à revelia da gente.