Postagens

Ela desatinou

 Você é amor que me lambe a ferida Meu coração, um tambor neste amar e desamar apaixonado, desiludido, ritmado  que Água e que séca.  Faço música se me dedilhas, feito cuíca alma geme, alma chora  Mas se me secas, tu me lembras do mundo: quanta água! Sigo e me recordo daquela velha  numa mesa de bar que me contesta. A vida é uma merda, porém bela. Tua poesia viva em mim de quem sabe amar até o fim. A vida é uma festa.

Casamento

 Tantas histórias atravessam meu enredo  (que nunca escrevo) Eu, circunscrita no vai-e-vem dessa vida sacana. Tantos homens me amaram,  outros me arrasaram, Uma me encantou em seus tantos passos, Bem-me-quer, mau-me-quer que bem-te-quero, mau-me-quero. A solidão, amiga gelada,  oras me dá as mãos,  oras me trancafia no quarto.  Mas a partir de hoje está resolvido:  Nem João, nem Pedro, Nem Maria, nem marinheiro, Caso-me contigo, Poesia. rainha de todas as paragens,  mirangens e escombros, dona dos encontros e desencantos. Nos percursos de rosas e pedras, Caso-me contigo  para viver a liberdade de amar quem eu quero.  Oh, Poesia minha,  que triangula todos os meus afetos! Torne-lhes prósperos, abundantes e sinceros. Vê se tu não me erras. Oh, Majestade minha,  hoje juro-te amor eterno!

Destino

Ele chegou, eu abri a porta trancada amou-me bem  até a segunda página. Para a França, sem adeus.  Portugal me atracou. Brasileira, da província,  cosmopolita, sou. Bem comida: onze anos vegetariando e devoro-te uma coxa de galinha. Bem amada: após oito anos, bebo da tua água renovada. Atrás da Porta, o adeus de outrora  é um bilhete em branco que nos espreita. Música na vitrola: Espumas ao Vento, em teus braços e tetas teu cheiro ainda me forrozeia. Destes olhos que me comem... teu chapéu de malandro dança E eu suspensa (entre Paris) - rio, Fêmea insaciável, tu me dizes, em rodopio.

Chapéu, calça, mocassim

 Há em mim um espanto de chapéu, calça, mocassim mau-amado, ele me espanta, me reclama,  me arranha, que me derreto maldizendo a mim. sexo contido,  assim, íntimo, do avesso, goza em mim range-me os dentes e, assim, mau-querendo, encaixa-se tão bem dentro de mim.  Há em mim um espanto - que me insiste de homem - que me revive sem nome,  hoje espantei com rouge e baton mas vive entre meus peitos, o tirano petrificado no tempo de chapéu, calça, mocassim. 

Solar

Quando nesta madrugada perdi o fio da meada, eu vi o sol nascer sem você e me lembrei das nossas barracas. Crianças confinadas num condomínio de 12 prédios, 17 andares sabem fazer-de-conta. A gente morava no arranha-céus porque tínhamos asas. O plano era o de sermos as primeiras a ver o primeiro raio de sol despontando na passagem. E quando ele saia redondo da montanha do Laranjal, era o auge. Tempos depois, quando descobrimos que do outro lado do planeta os japoneses roubavam nossos primeiros raios de sol, você começou a dormir, sensata. As vezes o sol trazia a famosa "paia-piscina-vevete" com o Zé Ramalho alto do nosso pai pelo quarto... E ficávamos com aquela "cara de Thays"!... De todas as brincadeiras da nossa infância, é ele, o astro-Rei, nosso primeiro amigo. Quando a janela da alma se abre, inda peço a ele pra iluminar teu pensamento, ser teu guardião, trazer inspiração e um samba bom pra quem cedo madruga em reverência e faz-de-conta na recordação.

Ela

  O coração ainda sangra E a Vida vez ou outra ainda espeta  A Dor só quer saber-se viva, renitente. Ventou, passou água fria, água quente... Coração sangra E ela me sorri orgulhosa e sem dentes. Alimenta-se da minha ferida, Oh, cruel parasita! Não sou eu a louca da casa? Meu Deus, tira esse rato da minha mesa!  Mas minha prece não percorre a Terra,  não sabe subir até Deus. Ecoa. Não vês que acabou a festa? E passou o tempo, passou o vento  e a vassoura nos pés dela. Como um jumento que empaca, Fomos da sutileza aos pontapés, no tapete da sala. E a Vida piadista, que não perdoa,  ainda espeta. Mais ela sangra na minha janela, e na mesa de jantar, e na frente dos convidados, e no banquete principal, Me espanta. Já pus até no colo,  Admirando-a como a uma criança,  mas é ingrata, não se consola e me fere. Eita que dói e não pára,  me desonra e desobedece! Lavei as minhas mãos Mas ela, então, lacrimosa e sem dentes, permanece.

composição

nunca compus versos, nem rimas,  nem música.  compor é aposentar armas,  desapego. não pode ser tarefa do vento,  nem possessão mediúnica. hoje, só hoje, decidi compor com o tempo,  nem rimas, nem versos, mas habitei-me entre meus extremos  - sim e não: partes dissonantes de um caminho uníssono.  Peregrina, nunca pude parar no caminho. observar a lua de passagem é meu exercício. então sigo me equilibrando,  compondo choro e riso,  pisando em pedras como em ovos, até que deparei-me com uma nascente:  sentimento inédito.  nunca que me percebia cruzando um caminho de Compostela quando adentrei minha floresta. Desovando pedras, percebi uma melodia no caminho.  - poesia é profecia. Sê amiga das palavras:  uma velha me dizia, que elas traçam o meu destino.