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composição

nunca compus versos, nem rimas,  nem música.  compor é aposentar armas,  desapego. não pode ser tarefa do vento,  nem possessão mediúnica. hoje, só hoje, decidi compor com o tempo,  nem rimas, nem versos, mas habitei-me entre meus extremos  - sim e não: partes dissonantes de um caminho uníssono.  Peregrina, nunca pude parar no caminho. observar a lua de passagem é meu exercício. então sigo me equilibrando,  compondo choro e riso,  pisando em pedras como em ovos, até que deparei-me com uma nascente:  sentimento inédito.  nunca que me percebia cruzando um caminho de Compostela quando adentrei minha floresta. Desovando pedras, percebi uma melodia no caminho.  - poesia é profecia. Sê amiga das palavras:  uma velha me dizia, que elas traçam o meu destino. 

restos

 odeio-te em meus recantos odeio-te nesta tarefa incessante de remover detritos de aspirar teu pó e catar teus cacos.  odeio pisar na tua terra e sentir-me estranha na tua aldeia odeio tua saída desastrada e desonesta da minha vida e ter de conviver, todos os dias, com esses restos de afeto.  odeio-te quando revira-me de esquecimentos e não encontro remédio odeio-te em meus versos.

Tarde de chuva

 Hoje chove em Rio Branco e me recordo do cheiro da chuva no quintal da minha avó. Ela ainda mora lá onde o vento faz a curva.  Tempo passava e eu não contava as horas observando a roda de fiar incessante da minha bisavó em sua máquina de costura. Como era bom simplesmente observar, sem ter que aprender coisa nenhuma, apenas observar.  Sinto saudade de quando a gente corria para tirar as roupas do varal antes de cair a chuva, e de pentear os cabelos ralos da cabeça morena do meu avô e ouvir as histórias mestiças da minha bisa...  Ainda que as nossas heranças turcas e indígenas nunca houvessem existido, elas me moldaram, no sotaque de guerra que a minha bisa nordestina nunca perdeu.  As suas dores a tornaram desconfiada de tudo e de todos, mas nunca lhe roubaram a ternura e o sorriso banguela.  Saudades de ver vovó colecionando selos de todos os jornais que ela lia, todos os dias, para checar as informações, muito antes de se popularizarem as fake news dos anos doil mil. Saudades do seu

In natura

 Passarinho azul me ensinou a contornar cada fissura com um belo cercado e seguir de fronte leve porque in natura tudo se transforma ao seu gosto orgânico compassado Passarinho azul não se afogou de Bukowski para conduzir-me ao coração da mata escura, esguia como um caçador. De silêncios edificou-me a fortaleza,  reergueu-me não sei d´onde quando a mente aterrissou. Nunca ouvi sua palavra, mas lá no Sul profundo de minh´alma, a sós,  um canto livre, ele bradou.

Prece II

Pisei na mata descalça guiada por uma rosa dos ventos. Alma chorou sob o céu mais bonito,  onde há tanto calor. Uma espada de vento movendo o tempo, uma vela acesa: prece calada que fura  a arma-dura. A sós em meu leito, pressinto:  100 anos de busca findou.  Silencia, Serena, que a tarde caiu na linha do Equador.

Lágrimas de mulheres

  Reúno forças para atravessar um mar desconhecido Levo poucas roupas e alguns livros, Cheiro o medo e a esperança, Amarguras e tristezas, O sal e a areia: desejos e fracassos de mulher. Como se me houvessem estancado braços e pernas, meu coração cresceu amorfo: grande e maleável,  Junto ao meu choro, as lágrimas de outras. Ontem senti uma mancha no peito e tentei tirar vida de pedra,  conhecer seus sulcos e dureza,  aonde ela espeta, Como quem pressente dela uma potência. Chuvas de indagações me molharam os espelhos d´água: qual é a composição dos nossos desejos?, de que matéria ela é feita? Quisera mergulhar a ponto de me dissolver o bastante pra encontrar a minha verdadeira essência. Suspeito que ela é minúscula - poeira de estrelas. Acho que as estrelas não conhecem a solidão porque fomos nós que criamos o nome dela.  Hoje mesmo, passou uma boiada no meu rio sem que eu pudesse dar nome aos bois,  mas as coisas nunca são apenas os nomes que damos a elas.  É preciso um sem-fim de ver

Dissonância

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14 de novembro de 2021