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Repaginação

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Fato consumado. Dei a você o meu corpo amadurecido, meu momento vazio. Seu afeto é desejo não correspondido, meu caro. Agora eu me dou para você consciente em prol da descarga energética. Me ausento daquela falta que cultivo ao longo dos anos... Consumo o ato. - Está claro: a amizade perdeu a liga, o cotidiano. Leve das expectativas desses homens, sobra a mulher... Pois estou cheia de matéria, homem! Trago o cheiro de muitas memórias no dentro. E mais adentro, a ânsia do inodor no corpo - o começo do recriar. Tanto acúmulo de gentes, afetos e histórias são acúmulos, no peito, de penas e chumbo, ao mesmo tempo. O ato fôra então consumado: dorme, o Verbo, ao meu lado. Enquanto vou tirando o chumbo do coração vermelho, vivo a dor da reciclagem. Descortino a festa. Posso, enfim, recomeçar?                 

À francesa

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Hoje uma borboleta negra cruzou o meu caminho. Uma transmutação sucedeu. Se as asas bateram é que voei meu eu. Meu pai sempre dizia: - Filha, na vida a gente tem de saber a hora certa de chegar e a hora certa de sair. Mas eu só queria saber o "como",  nunca atentava para o "quando". Como saber? Meu pai era tão sábio quanto o oráculo chinês. Virginiano que era, sempre soube seu timing, com critérios de detalhe e suas cem-razões. Tudo com direito a painéis meteorológicos e percepção cronometrada de quebras de rotina. Eu, que sempre tive pouca habilidade no mundo concreto, minha ação sempre foi fruto de rompantes: o instinto cego. Sendo amiga do destino, ele presenteava minhas maiores dores com o escárnio da beleza: o negrume de borboletas no momento da partida, nas mortes de amor. De fato, enquanto o pesadelo de minhas amigas incluía andar na rua pelada sem se dar conta, voar e cair de precipícios, meu maior medo era o ataque transformador.

Breve

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Num momento de descuido ele atravessa a minha janela... um Domingo de Paz. Deixei-o entrar, se acomodar. Veio para um café. Sorriu. Seduziu. Tocou meu corpo com o frescor de fim de tarde. Beijou, bebeu, acariciou e, cheio de senões, assoprou: - Em breve eu vou. Não posso ficar. - Mas quem lhe deseja para além dos instantes? A beleza está no pouso. É justo o pousar... Nos despedimos. Agradeci. Foi então que avoei.

Nuvem

Vejo o sol nascer rompendo a escuridão e a noite aproximar-se minguando a lucidez da visão. Uma ode à Lua ladra este cão... Eu só sei viver nos extremos. Minha agonia é o interlúdio: este ocaso solitário das tardes que se arrastam, nos transpassam desejosas de amornar a paixão - equilibrar os excessos. Dependurada em meus dias, nego a transformação do tempo, fico imune à sua imagem de nuvem - Revivo os espasmos de nosso amor incompleto.

Prece

Faça-se de mim uma oração das terras de longe! Porque milhas me fazem crescer, porque preciso situar-me no não-lugar da sua cama, debaixo do seu edredom - essa imensa colcha de retalhos  de tudo o que não pertenci, de todo o meu vir-a-ser... A vida é tão frágil, breve, cheia de traços leves... - ensina-me a arte da sutileza! Quero me perder de hojes: no cheiro do ar, no gosto do vento, na fotografia desses mil olhares... Poder abrir brechas no coração asmático, aprender o ser-breve com a caneta.

La-passante

Recebi uma foto da nossa felicidade desnuda de tempos atrás... Blue jeans, motocicletas e cachaça de gengibre. O bar da cachaça trazia sua crônica às calçadas. Na Lapa, outro aroma submerso de cores pastéis... O não-ser dali concedia-nos asas de desbravador A festa Maracangalha carregava a poesia da vida comunal dos Novos Baianos - É que éramos retirantes, seu moço, de um bairro distante, fluíamos de amor aos goles de cerveja - ela ainda era só esplendor. Uma palavra: pureza. Neste dia eu me libertava de um amor platônico que me consumira dois anos acadêmicos. Resolvemos dançar a dor. Ali perto, na praça da Cruz Vermelha, ainda não rolava o Samba do Bigode, mas um encontro regular de gente - gente querendo transcender o ego, transgredir. Assistíamos filmes marxistas, líamos Marx como poesia, e dividíamos nossas humanidades da psicanálise anterior - buscávamos emancipação e amores livres. Ainda não era materialismo, era o desejo de comungar prescindindo de Deus - ele e

Finado

Não é falta de amor, as vezes ele é grande, bem como grande é a gratidão. É que você me exauriu... - Certas pessoas exaurem a gente, assim sem razão. Já sou incapaz de restabelecer contato, já quebrei a ponte. Talvez porque precise ser ilha: ter de morrer um velho, ter de brotar um novo... Não houve acordo. Morri em posse do mesmo documento. Perdoe estas sem-razões, tamanho desconserto... Se há de nascer algo, tenho de me parir primeiro.