À francesa


Hoje uma borboleta negra cruzou o meu caminho. Uma transmutação sucedeu. Se as asas bateram é que voei meu eu.

Meu pai sempre dizia:
- Filha, na vida a gente tem de saber a hora certa de chegar e a hora certa de sair.

Mas eu só queria saber o "como",  nunca atentava para o "quando". Como saber?
Meu pai era tão sábio quanto o oráculo chinês.

Virginiano que era, sempre soube seu timing, com critérios de detalhe e suas cem-razões. Tudo com direito a painéis meteorológicos e percepção cronometrada de quebras de rotina.

Eu, que sempre tive pouca habilidade no mundo concreto, minha ação sempre foi fruto de rompantes: o instinto cego. Sendo amiga do destino, ele presenteava minhas maiores dores com o escárnio da beleza: o negrume de borboletas no momento da partida, nas mortes de amor.

De fato, enquanto o pesadelo de minhas amigas incluía andar na rua pelada sem se dar conta, voar e cair de precipícios, meu maior medo era o ataque transformador.

A gente ria. "E primas de mariposas matam a quem?" "Suas asas são feito papel!". Hoje tudo se explica:
- O destino sinaliza o instante do adeus, a metamorfose é dura, mas a despedida é leve, sutil, de libertar a noite, os amores, realizar o fim.

Meu presságio frágil traz a hora certa de partir antes que a chuva estrague a recordação da festa.
De meu pai e suas aulas de etiqueta fiquei com o saber-sair-à francesa dos que têm na alma borboletas negras...






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