La-passante
Recebi uma foto da nossa felicidade desnuda de tempos atrás...
Blue jeans, motocicletas e cachaça de gengibre.
O bar da cachaça trazia sua crônica às calçadas.
Na Lapa, outro aroma submerso de cores pastéis...
O não-ser dali concedia-nos asas de desbravador
A festa Maracangalha carregava a poesia da vida comunal dos Novos Baianos
- É que éramos retirantes, seu moço, de um bairro distante,
fluíamos de amor aos goles de cerveja - ela ainda era só esplendor.
Uma palavra: pureza.
Neste dia eu me libertava de um amor platônico que me consumira dois anos acadêmicos.
Resolvemos dançar a dor.
Ali perto, na praça da Cruz Vermelha, ainda não rolava o Samba do Bigode,
mas um encontro regular de gente - gente querendo transcender o ego, transgredir.
Assistíamos filmes marxistas, líamos Marx como poesia, e dividíamos nossas humanidades da psicanálise anterior - buscávamos emancipação e amores livres.
Ainda não era materialismo, era o desejo de comungar prescindindo de Deus - ele era muito particular para um mundo também ateu.
Era a descoberta de um espaço, o qual anos depois seria habitado pelas necessidades de um turístico trabalho: ladeira acima, ladeira abaixo... - não haviam mais bondes, não haviam mais Santas.
Viver, de fato, o lado proletário, naquele cenário, não foi fácil, foi cortante.
Familiarizar-se aos personagens da Lapa, sentir suas dores... poder ver na cachaça o descer seco, o amargo, sentir a tosse daquele trago.
Em mim berraram as vozes do bairro: reclamando seus centavos, impondo sua existência...
Então parei de habitá-lo, a Lapa passou a habitar em mim.
Morri ilusões estudantis.
A busca da emancipação virou busca por poder e colocações.
- O marxismo centralizado, pragmático. É uma "questão de ordem" - tem que ser.
O baile virou comércio; na anestesia, o limite do Homem - não é belo viver à margem - não pode ser.
Fui para Madri, a Lapa continuou em mim.
Por isso sinto saudades. Da percepção em aquarela. Pra quê tantos tons de cinza?...
Lapa escorreu minha poesia.
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