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Coisas de partir

Na asa do vento, coisas de partir. O bico sabe o tempo certo de deixar paradeiro velho, o amor também sabe partir resistências, reticências... medos, cismas... que ciscavas no chão seguro. O amor parte pro leste na primavera onde o sol nasce e a gente parte e se parte, no tempo certo pra deixar derradeiro velho acolho passageiro risco nas asas de um bandoleiro cada bico encontra seu destino. 

acontece que

amor desabriga amar é desdicha. Rei surdo,  ousei gritar o teu nome,  roubei a tua pele para que me desse aquilo que não se pede mas acontece que pedi ----------Cruzei fronteira------------ se me a-fronto com as palavras é con-fronto com o que me resta.

Desvelo

Em fúria despetalei a rosa para ver o que nela tinha Era rosa não era abóbora pesada que concebia. O medo do tempo tornou-me ainda descabida que tratei de destruir a aparência Sendo imanente a pele sedosa. Há quem comece pelo fim pelo medo do que finda.

Tempo em 3 atos

Eva contempla: as batatas crescem na terra, no silêncio dela, por dentro é mais branca do que a sua pele, é dos Espectros  a verdadeira comida. Porque amadurece pra dentro, Clarice não teve a coragem de comê-la. Balé de ira: nove mulheres que não seguram o vento, o corpo que afronta des-caminha, depois rebenta, depois engole, e engole, vomita pra dentro e engole vento até que explode: transmutação de borboleta.  Parir-se a si mesmo é história que me envolve. Eu que não rebento,  eu que choro fininho no chuveiro, eu que me calo sem saber se por virtude ou covardia, macio por fora, rijo por dentro,  sou comida que pássaro não come. Eu que amo o vento mas não ando - fincado em mim mesmo. A raiva é um sentimento honesto, mas a tristeza é vagarosa como o tempo. Se me ordena a natureza, eu espero. 

tempo zero

diluir a dor  com o antídoto do teu amor toma-me tempo demais pelas frestas  dos teus braços futuro etéreo de paz? Não, você existe - e isso basta. cinestesia pura, gostosa, matuta: eu não tenho tempo para nada amar você me custa poesia demais.

Renascimento

 Você é o amor esboçado na parede do meu quarto com fita crepe, desse esboço escolhi compor com os meus retalhos, quis morar neste retrato e nas promessas das cores espalhadas pelo vento. Me empenhei à arte da Renascença para um amor que não renasce. Fita crepe na parede do quarto e farrapos da dor pungente. Quis morar em nós, não houve espaço. Tentativas frustradas de óleo em formato A4, Rio de Janeiro, 2014. 

Queria era que tu apreciasses

Queria era que tu apreciasses aquela ostra na praia, não a carne mole, mas a pérola que surge da poeira no aconchego das cavidades internas. Queria era que tu apreciasses o cheiro do sal, os segundos que compõem este poema e o minuto que se decantou agora feito grão de areia. Queria era que tu apreciasses a beleza perdida e renovada  nas intempéries do tempo, mas você fala e você fala e você fala e não nota. Acontece que tu me amas e me pedes que eu fique eu fico. com os olhos na praia, com as mãos na ostra, banhada em teu cheiro de casa enquanto buscas o vento de outra piada e você fala e você fala e você fala  e não percebe que eu sou  como aquela água que bate na pedra. Dizes que eu tiro leite de pedra? Queria era arrancar o teu silêncio como saia  que revela. Mas tu que cantas teorias e cidades, se tu visses e amasses aquela ostra azul da praia, algo de mim, talvez soubesses...

o amor A-parece

Uma vez bem que pensei  que o amor fosse uma âncora na bahia para confortar dias sem peixe e celebrar festas no cais. Sonhei com o amor como brisa refrescando a estiada, acalmando a brasa das paixões febris. Pensei que o amor curasse e que, como os abacateiros da refazenda, semeasse amanhãs... Mas amor não parece bahia, nem brisa o amor A-parece em mim como um vão, um mosquito que zumbe, insondável mistério - apagão na razão. Eu sonhei com um bote de salvação, mas amar é o norte  que só procura quem já perdeu ou a busca de um norte na beira da ilha sem bote - travessia, se já abraçamos as mãos.  Amanhã pode ver nascer mais um, amanhã pode ser que não seja mais nós, amanhã pode ser que seja eu, apenas eu  numa triste bahia encarando a morte: outro norte.                                                                     Ou não. 

Rédeas II

Derradeiro momento  para se encontrar um grande amor ferido por outro grande amor. Disse que me ama loucamente porque tem peito de amar assim,  mas disse que dessa vez quer ter as rédeas na mão atravancando caminho então mergulhei bem direitinho coloquei os pés no chão e então vamos seguindo entre trancos e solavancos entre flores e espinhos pedras e negociação. 

Rédeas I

páginas em branco mordem palavras disformes no céu da cabeça músculos se retorcem  desenhando um nó no pescoço Ando com a garganta na penumbra da morte das palavras cruciais. Ali aonde jaz a palavra sobram os feitos e o chicote da língua dos outros. 

Então chove

No avarandado do meu coração descobri do amor coisas incertas. Ao não-sei-quê de desespero, acenou o silêncio das borboletas, porque viver é um instante enquanto o passado lateja. Bom mesmo é amar fingido de besta na superfície da delicadeza, com a ponta dos dedos, com a face dos pés. Doralice lançou agora um grito  Mas João sempre amanhece. Então chove... Porque o amor cutuca o amor (ainda) provoca. Bom mesmo é esperar na varanda Enquanto a paixão arrefece.