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Vida-morte-vida

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No começo, era a despedida. As mãos fracas, em vão, agarrando os objetos do mundo Tatear é aprender. Depois, o mesmo com os sentimentos momento a momento. Sensações boas, sensações más... E se vivêssemos a vida como os bebês, na pureza de ser entre ausências, segurando areia:  tudo a perder,  tudo a ganhar também? Beira da terra, beira do mar,  beira da vida...  É na beira que se caminha para qualquer lugar.

doismilevinte

Entre o nascer da manhã e o escovar de dentes, entre o café e o vestir-se, entre o mercado e o desinfetar de compras é preciso encontrar poesia onde um vírus foi maior que a reprodução dos dias, é preciso encontrar poesia entre a saudade e a barriga cheia entre tristeza e alegria, leitura e escrita, é preciso encontrar poesia entre os hiatos da vida é preciso encontrar poesia fria do chão no pé descalço sair um pouco das estrelas encontrar poesia rasteira na multiplicidade de tempos que compõem esse instante. é preciso encontrar poesia nas rememorações que não cessam nos recônditos da mente, no medo da Lua, senhora da noite que ninguém controla, mas sente. é preciso encontrar poesia no medo de dormir pra sempre, sobretudo no pão que a gente come é preciso encontrar poesia antes do antes das palavras naquilo que cede os emaranhados ordinários na pele arrepiada de ausências. É preciso encontrar poesia antes que ela caia, cadente. é preciso encontrar

Espaço para o vento brincar

Com 26 recuei. Regressei ao bairro da minha infância com todos o estigma da pobreza.  Aqui não tem cinema, nem shopping center, nem livraria.  Não tem ônibus toda a hora e chegar e sair não é tão fácil como deveria. Mas tem memória. Tem árvores, tem quintal, varanda e espaço para o vento brincar.  Tem rua de verdade e crianças correndo e brincando do fim da tarde até o toque de recolher dos pais.  Aqui tem jardim e tia Catarina.  Tem idosos ranzinzas esconjurando menino travesso e a igreja que casou meus pais. tem vida na calçada e portas abertas e cadeiras na hora da fresca  Tem pé sujo, muleque, pipa, cachorro solto,  vizinho que é de casa.  Tem suporte para quem chega e precisa. Tem vózinha na casa de baixo com suas demandas, reclamações e bendições.  E uma menina que aprende tarde a se virar com a vida. Aprende com tempo e amor,  porque aqui o tempo passeia com a b-r-isa. 

Azulinho

Azulinho, passarinho, nasceu livre em um coração cativo.

doismilequinze

Hoje revisitando meus caquinhos, aquele perene desamparo pequenino... Fiquei com uma dó... dó de doer. Não juntei pedacinhos de vidro, contento-me em te-los partido, ver o novo nascer. mas confesso que chorei ao circular velhos fatos, velhos retratos... A memória do velho há de permanecer. Aquela inconsciência também era minha, dançando, fluindo, se equilibrando sozinha, bobinha... perversa assim sem saber. Saudade mesmo de cuspir belezas, esculpir-me natureza, nada economizar na língua. Foi que chegou dois mil e quatorze e rasgou meu verbo, calou-me a escrita, toda a palavra curtida... meus sentidos se adormeceram em rivotril, ritalina... Tinha de ser? Não é fácil rasgar a camisa, o corpo, a alma... A trama da vida. A saída é de embrutecer. E a alma, rapaz? Cansou de ter paz, cansou de poder Que dois mil e quinze seja. Pronto, que seja. Eu cansei de ser.

Casa de tartaruga

Espantei a poeira de toda a mobília e encontrei outra vez o brilho das coisas, O cheiro do dia, A paz de uma brisa numa manhã de calor. Encontrei uma vontade resiliente de ser no meio dos senões e das turbulências da casa. Eu preciso me mudar, Mas minha casa é a das tartarugas... Por sobre essa casca aprendo a recriar um conforto de dentro. Sinto que é essa a minha resistência. Me afinar com as ondas, com o mar e seguir na corrente da vida, Embora você me diga que eu tenho que ir para o outro lado, para qualquer lado, para me agarrar naquilo que não sou. E eu forcei quase todas as minhas energias e recursos para não ser eu mesma, para não ser meu caminho e quem sabe algum dia te trazer um conforto daqueles que podem lavar as mãos para seguir. Porque não lava as suas mãos agora e não se esquece de mim? Eu não caibo nesta casa, não caibo nas suas dívidas, não caibo no seu entendimento, nem no seu conceito de família. Fui feita para não caber desde o dia em que me gerou tão

Fita amarela

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Imagem retirada do site:  https://www.contioutra.com/minha-avo-dizia-que-quando-uma-mulher-se-sentisse-triste-o-melhor-que-podia-fazer-era-entrancar-o-seu-cabelo/ Busquei a fita, o pente e os fios de cabelo das minhas irmãs. Desfiz o nó e iniciei os remendos das tranças, com fita amarela, que brilha o ouro, o sol, as abelhas. Amor de trançado para unir o velho com o prenúncio do novo, que fica na raiz. As raízes crescem e se transformam, menina, porque a cada dia algo de novo nasce enquanto o velho vai morrendo aos poucos na ponta da tesoura. Trançando a mim e as minhas irmãs aprendi um cadinho de beleza, um tantinho de paciência e uma compreensão desatadora dos fios da vida... Trançando eu mando a tristeza embora.