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Espaço para o vento brincar

Com 26 recuei. Regressei ao bairro da minha infância com todos o estigma da pobreza.  Aqui não tem cinema, nem shopping center, nem livraria.  Não tem ônibus toda a hora e chegar e sair não é tão fácil como deveria. Mas tem memória. Tem árvores, tem quintal, varanda e espaço para o vento brincar.  Tem rua de verdade e crianças correndo e brincando do fim da tarde até o toque de recolher dos pais.  Aqui tem jardim e tia Catarina.  Tem idosos ranzinzas esconjurando menino travesso e a igreja que casou meus pais. tem vida na calçada e portas abertas e cadeiras na hora da fresca  Tem pé sujo, muleque, pipa, cachorro solto,  vizinho que é de casa.  Tem suporte para quem chega e precisa. Tem vózinha na casa de baixo com suas demandas, reclamações e bendições.  E uma menina que aprende tarde a se virar com a vida. Aprende com tempo e amor,  porque aqui o tempo passeia com a b-r-isa. 

Azulinho

Azulinho, passarinho, nasceu livre em um coração cativo.

doismilequinze

Hoje revisitando meus caquinhos, aquele perene desamparo pequenino... Fiquei com uma dó... dó de doer. Não juntei pedacinhos de vidro, contento-me em te-los partido, ver o novo nascer. mas confesso que chorei ao circular velhos fatos, velhos retratos... A memória do velho há de permanecer. Aquela inconsciência também era minha, dançando, fluindo, se equilibrando sozinha, bobinha... perversa assim sem saber. Saudade mesmo de cuspir belezas, esculpir-me natureza, nada economizar na língua. Foi que chegou dois mil e quatorze e rasgou meu verbo, calou-me a escrita, toda a palavra curtida... meus sentidos se adormeceram em rivotril, ritalina... Tinha de ser? Não é fácil rasgar a camisa, o corpo, a alma... A trama da vida. A saída é de embrutecer. E a alma, rapaz? Cansou de ter paz, cansou de poder Que dois mil e quinze seja. Pronto, que seja. Eu cansei de ser.

Casa de tartaruga

Espantei a poeira de toda a mobília e encontrei outra vez o brilho das coisas, O cheiro do dia, A paz de uma brisa numa manhã de calor. Encontrei uma vontade resiliente de ser no meio dos senões e das turbulências da casa. Eu preciso me mudar, Mas minha casa é a das tartarugas... Por sobre essa casca aprendo a recriar um conforto de dentro. Sinto que é essa a minha resistência. Me afinar com as ondas, com o mar e seguir na corrente da vida, Embora você me diga que eu tenho que ir para o outro lado, para qualquer lado, para me agarrar naquilo que não sou. E eu forcei quase todas as minhas energias e recursos para não ser eu mesma, para não ser meu caminho e quem sabe algum dia te trazer um conforto daqueles que podem lavar as mãos para seguir. Porque não lava as suas mãos agora e não se esquece de mim? Eu não caibo nesta casa, não caibo nas suas dívidas, não caibo no seu entendimento, nem no seu conceito de família. Fui feita para não caber desde o dia em que me gerou tão

Fita amarela

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Imagem retirada do site:  https://www.contioutra.com/minha-avo-dizia-que-quando-uma-mulher-se-sentisse-triste-o-melhor-que-podia-fazer-era-entrancar-o-seu-cabelo/ Busquei a fita, o pente e os fios de cabelo das minhas irmãs. Desfiz o nó e iniciei os remendos das tranças, com fita amarela, que brilha o ouro, o sol, as abelhas. Amor de trançado para unir o velho com o prenúncio do novo, que fica na raiz. As raízes crescem e se transformam, menina, porque a cada dia algo de novo nasce enquanto o velho vai morrendo aos poucos na ponta da tesoura. Trançando a mim e as minhas irmãs aprendi um cadinho de beleza, um tantinho de paciência e uma compreensão desatadora dos fios da vida... Trançando eu mando a tristeza embora.

Passarinho furtivo

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Belas são as coisas indizíveis. Tentar exprimi-las para que se lhes compreenda é exemplo claro de profanação. Eu bem que insisto, mas meu amor-próprio é delicado como o passarinho mais furtivo. Quanto mais eu me atropelo, quanto mais eu te amo, mais eu me esqueço e confesso: mais belo do que querer você na minha vida, na minha cama, no futuro do meu coração... é sentir saudade de mim só. Sentir é deixar de esquecer. Então, antes de bater as asas n´outra estação, a calma me mandou rezar esta oração. Anote isto, passarinho esquecido, - máxima que fortalece as asas cansadas: mais belo do que sentir saudade de ti é sentir saudade de mim só.

Por de-mais amar

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Pisei na areia e o mar se abriu, sem saber te dei a mão já na primeira vez... Ainda um estranho que pressinto nos poros, no cheiro, no gozo... Algo doce te transpassa Nessa dança... molhamos os pés no insondável do a-mar que embala. Foram as ondas desde o começo! Nos circundamos como botos encantados, mas minhas águas não me enganam, correspondem ao seu jeito de fazer música e subir marés. Eu não tenho medo porque sua língua me toca e me derrete como as águas que lambem as pedras mais graves e agudas De qualquer lugar... ...hás de descobrir tudo aquilo que escondi de tesouro sem pressa, na poesia que brota do meu peito dorido, nos seus dedos coloridos de uma tela em construção, na letra da música que há de nascer no fitar dos olhos num amanhecer à beira -mar - até-logo porque eu te pressinto no frescor da corrente marítima que nos navega, sem pescador nem rede nem conquista Quando a natureza de dois namorados a nadar se apequena no mistério inso