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Pra não reviver você

Solidão calou o peito, fechou a garganta com bolas de amigdalite pra não reviver você. Pra não reviver você estacionei a vida em miragens masculinas arredias, desastrantes, sem eco. Porque calei o silencio, rasguei o verbo de afeto engoli a consciencia arranquei você vejo o mundo difuso só não lhe atravesso.

Temporal

Não sou eu quem me navega Quem me navega é o a-mar, turbulento. Ou me afogo ou te velejo... Se encaro as ondas - fúria do vento, iço velas, carrego remo... ainda não aprendi a nadar. Não sou eu quem me navega Quem me navega é de a-mar.

Repaginação

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Fato consumado. Dei a você o meu corpo amadurecido, meu momento vazio. Seu afeto é desejo não correspondido, meu caro. Agora eu me dou para você consciente em prol da descarga energética. Me ausento daquela falta que cultivo ao longo dos anos... Consumo o ato. - Está claro: a amizade perdeu a liga, o cotidiano. Leve das expectativas desses homens, sobra a mulher... Pois estou cheia de matéria, homem! Trago o cheiro de muitas memórias no dentro. E mais adentro, a ânsia do inodor no corpo - o começo do recriar. Tanto acúmulo de gentes, afetos e histórias são acúmulos, no peito, de penas e chumbo, ao mesmo tempo. O ato fôra então consumado: dorme, o Verbo, ao meu lado. Enquanto vou tirando o chumbo do coração vermelho, vivo a dor da reciclagem. Descortino a festa. Posso, enfim, recomeçar?                 

À francesa

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Hoje uma borboleta negra cruzou o meu caminho. Uma transmutação sucedeu. Se as asas bateram é que voei meu eu. Meu pai sempre dizia: - Filha, na vida a gente tem de saber a hora certa de chegar e a hora certa de sair. Mas eu só queria saber o "como",  nunca atentava para o "quando". Como saber? Meu pai era tão sábio quanto o oráculo chinês. Virginiano que era, sempre soube seu timing, com critérios de detalhe e suas cem-razões. Tudo com direito a painéis meteorológicos e percepção cronometrada de quebras de rotina. Eu, que sempre tive pouca habilidade no mundo concreto, minha ação sempre foi fruto de rompantes: o instinto cego. Sendo amiga do destino, ele presenteava minhas maiores dores com o escárnio da beleza: o negrume de borboletas no momento da partida, nas mortes de amor. De fato, enquanto o pesadelo de minhas amigas incluía andar na rua pelada sem se dar conta, voar e cair de precipícios, meu maior medo era o ataque transformador.

Breve

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Num momento de descuido ele atravessa a minha janela... um Domingo de Paz. Deixei-o entrar, se acomodar. Veio para um café. Sorriu. Seduziu. Tocou meu corpo com o frescor de fim de tarde. Beijou, bebeu, acariciou e, cheio de senões, assoprou: - Em breve eu vou. Não posso ficar. - Mas quem lhe deseja para além dos instantes? A beleza está no pouso. É justo o pousar... Nos despedimos. Agradeci. Foi então que avoei.

Nuvem

Vejo o sol nascer rompendo a escuridão e a noite aproximar-se minguando a lucidez da visão. Uma ode à Lua ladra este cão... Eu só sei viver nos extremos. Minha agonia é o interlúdio: este ocaso solitário das tardes que se arrastam, nos transpassam desejosas de amornar a paixão - equilibrar os excessos. Dependurada em meus dias, nego a transformação do tempo, fico imune à sua imagem de nuvem - Revivo os espasmos de nosso amor incompleto.

Prece

Faça-se de mim uma oração das terras de longe! Porque milhas me fazem crescer, porque preciso situar-me no não-lugar da sua cama, debaixo do seu edredom - essa imensa colcha de retalhos  de tudo o que não pertenci, de todo o meu vir-a-ser... A vida é tão frágil, breve, cheia de traços leves... - ensina-me a arte da sutileza! Quero me perder de hojes: no cheiro do ar, no gosto do vento, na fotografia desses mil olhares... Poder abrir brechas no coração asmático, aprender o ser-breve com a caneta.