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Finado

Não é falta de amor, as vezes ele é grande, bem como grande é a gratidão. É que você me exauriu... - Certas pessoas exaurem a gente, assim sem razão. Já sou incapaz de restabelecer contato, já quebrei a ponte. Talvez porque precise ser ilha: ter de morrer um velho, ter de brotar um novo... Não houve acordo. Morri em posse do mesmo documento. Perdoe estas sem-razões, tamanho desconserto... Se há de nascer algo, tenho de me parir primeiro.

Farto

... E foi entre o voluntário e o involuntário do amor que você em mim me empobreceu, até virar triste o que fora êxtase. No ato, eu insaciável, chorei à procura de um significado que dignificasse o inadiável... A carne trêmula. Só carne.

Tua ausência

Tua ausência me libera da tua ausência Tua ausência libera a minha ausência, - meu zelo por miudezas, minhas plantas, meu cão, meu direito, meu eu mesmo. Vou ao cinema, embelezo-me, atraio, danço como um pavão... Vôo à tua sombra. Concedo-me o tempo que lhe desmancho, lhe dedico, lhe curvo. Viro bicho, puro instinto, rebelde, livre, lindo... triste. Um coração que nasceu cativo.

Ponto cego

Tua ida, tua vinda... - este pêndulo! me interioriza. E é neste ponto cego que hei de encontrar forças para tocar nosso barco, para remar o teu tempo. Só; comigo, eu espero... vou me destoando, nidificando, desabotoando, emudecendo. - precipito, esquento, seco viro cinzas... Não faz mal. Há de ser comigo, coração inseguro! Eu seguro - com forças que ainda não tenho no meu ponto cego - anuvio, faço sol... Eu ainda espero.

Uma casinha modesta

Construí uma casinha modesta, de madeira e alvenaria no coração da cidade. Verde na varanda, bebedouro de beija-flores na janela, borboletas polinizadoras, um aquário. Água sempre fresca da velha moringa de barro... Chiquinho ainda espalha tapetes, agora na porta principal da casa. Frida espalha sua poesia-de-andar-felina nas tábuas corridas da sala. À sombra, o reflexo... Paredes sustentam sedutoras e repousadas mulatas de Di Cavalcanti. Micos habitam mangueiras. Vejo um ninho de pássaros... azul por todos os lados, tudo a apenas cinco minutos do asfalto engarrafado. À noite apavoram-me indefesos morcegos. O lar é feito de aconchego, com vista para o cinza-alto dos "apertamentos". Preciso de tua mudança para dormir doce em teus braços e daquela ajuda com a escritura (!): são dois quartos, uma cozinha; banheiro, sala, varanda, tintas; letras harmônicas justapostas a cada passo, cada traço da arquiteta. A mesa é longa para o pão, para a família, amigos-frutos, as seme

Grávida

Eu estou grávida do Senhor do Tempo, do amor que tenho, estou apaixonada. Ando por aí, assim grávida... conhecendo recônditos alheios, mapeando satélites calada, lendo borras de café nas mãos É que estou grávida, fervilhando por dentro... Vou parir vento, um furacão! Peitos jorram-me o leite, as noites varrem meu leito Eu segui todos os preceitos: pílulas, tabelas, fómulas, condão. Não vês que estou pronta se estou grávida de contas, marés, reflexos, obsessão?... Não me pacientes com este fórceps... Tempo me escorre... Não!

Reajuste

Não se pode esquecer a porta aberta, nem de regar as plantas. Temos de amar diariamente nossos cachorros e abrir as janelas pelas manhãs... Não esquecer também a militância, nem a humanidade, nem o sorriso amigo quando em nós, tudo está em partes. É preciso quebrar narcisismos sem deixar de lado a autoconfiança. Ser pragmáticos! e agricultores de sonhos, para que em nós eles não morram - passaporte de viagem... Mas é preciso ser forte e saber ganhar dinheiro! Amar nossos trabalhos estranhados, sucumbir à rotina, superar os amores inacabados, ser feliz e - hai de mim, o mais triste! - cortar o amor do outro, porque criamos as escolhas e para alguns amores somos incapazes. Mas não! Não se pode amar todos os amores! Não pode fugir, nunca fingir! Tem de saber como o tempo a amar devagarinho com intensidade, poder viver de arte. Engolir o mundo como quem admira a paisagem... - E quem é que limpa o filtro de tamanha reciclagem? Não esquecer a sensibilidade. Ser boêmio e cuid