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Miudezas da cidade

Saudade de amar essas coisinhas pequenas... um polaroide, uma ilusão de ótica do papel que percorre para o cavalo andar... Hoje vi que embruteci ao tocar as miudezas da cidade... Os olhos fincados em coisas tão grandes e alheias... Amor que se dá ao outro em pensamento, pensamento que não se pode materializar... Estas coisas que a gente agarra tem mais poesia. Beleza de encantar o olhar... que não vê o tempo que dança, que não vislumbra o outro atirando ao vento contas do nosso afeto, a vagar... Do amor, trago no peito duras arestas enquanto estas miudezas degelam ternura milenar. No meu povoado ainda recebo circos, ouço causos, tenho comigo um grande disco solar; o maná, ilusionismos; maravilhas, miudezas... teu olhar de quarta-feira isento de rastros, ausente de lastros... que não deixem cacos em mim.

Frevo mulher

Bem que se tenta escapar da terra Mas sempre ela, buscando gestação... Quer ser frutos quando é areia Único medo...  Solidão entre homens-inverno, outono, verão... cortante busca de definição para descortinar primaveras... e parir um tempo fluido que não recluse, não recuse o coração. Quem sabe o Tempo  não espalhou sua  cabeleira... Quem sabe os olhos  se restrinjam aos que espelhem  sua natureza... mulher, mulher, mulher... Barriga de vento. Mulher! próxima estação...

Para trovejar fora de mim...

Sinto sono, mas já não posso dormir. Instrumentos de sentir são mais humildes: um cinzeiro, fumaça, escuro, alguma dor. Tela fria de computador... Vou esperar chuva cair parar de relampejar meu cachorro dormir... aprendi a me dobrar mas parei de sentir... Por amor abafei os sentidos até o amor se evaporar de mim, me restar só um menino... E eu a buscar aonde enfim a chama se apagou o instante que descongelou, Pra onde foi o meu amor quando de mim resolveu partir?... Hei de esperar chuva cair eu voltar a sentir desde aquilo que em mim ficou... o que não fiz por amor escrever em tela de computador. que não lhe rabiscassem coisas duras nessa sua finura, velho amor!... Vou esperar chuva cair... Trovejar fora de mim... Re-ligar tudo aquilo que estagnou. Mas pra onde é que foi o meu amor? Porque foi que começou? Diga enfim, se acabou.

O carmim do nosso amor

Do nosso amor, o grito adormecido no corpo pele, dentes, cabelos, odor... Do nosso amor, a matéria extensa dos não-ditos Eu sinto teu grilo teu grilo, sigilo Não sei o que sinto, amor O nosso amor é o carmim nos lábios frágeis da gueixa Há de se retocar, sufocar, purificar sem pudor. Como o conjurador das chuvas, aprender fazer chuva que nunca lhe chova para nunca borrar o carmim do nosso amor O nosso amor, bichinho tão puro; na pele, tão devastador, é beija-flor que me espalha sementes que me nutre, meu amor. Do nosso amor, gastei todas as rezas Santo Antônio, São Benedito, Nosso Senhor. Quantos jogos de tarô!... para que fosse sempre rocha, jamais flor. E como lograr isso, amor? Eu, que sou fogo abrasador, nunca me dobrei por ninguém assim não senhor! Ai, esse amor! Nunca soube de minhas vigílias, menos ainda de minha entropia flutuando em face de flor. Só por ti, meu amor, delicado, sim senhor! Hei de zelar teu silencioso grilo, o não

Anuveando

Gosto de ver o cinza dos tempos nublados, o cinza que omite um horizonte a qualquer palmo... Mar funde-se ao céu, céu torna-se mar. Anuvear é assumir a forma do vento. Gosto de ver a dança lenta das nuvens recordando o pesado dos maus momentos... Pareciam tão eternos!... Me esmero. Ultimamente, ando mesmo pensando em nuvens, virando nuvens - toque de vento. O balé efêmero dessas vidas difusas... Abre-alas um Sol de dentro. Se anuvio - simples adendo. Mascarada admitindo formas novas carcomida por dentro. - Uma caixa aberta. O veneno. Livro-me hoje desse apartamento Brilho amanhã, no escuro dos maus ventos. Corta-me o fio. Não vejo horizonte. Nenhum palmo... Nada. Me despeço. Apodero. Não temo. - Já virei tempo. Templo... Me esquecimento.

Sensibilidade II

A sensibilidade é minha puta triste,  senhora antiquada. que esqueceu há tempos o próprio gozo e agora acalenta toda a minha jornada lhe dei o torso,  - fez de mim morada, para eu esquecer as vergonhas,  - para ela, em mim, ser amada. Se espelho o rosto da puta chorando as minhas lágrimas é porque vivo volúpia sem fim  sendo por ela assim desbravada!... Sentindo, adormeço as bofetadas  do mundo oco, minha boca escancarada se cala entrego-me ao outro  com o corpo  - vibração mais pura de minha alma.

Poema para o bem amado

Chegou em meu temporal sem tirar os sapatos... Tentei, então, em vão, fugir do seu cabelo armado, da sua cor, desses olhos de mago... dessas coisas tão ancestrais que carregas no passo. Tive medo. Mas cavaco já havia chorado... nossos corpos já haviam dançado tua música; nossas almas, no batuque, se entrelaçado; teus olhos me enfeitiçado; poesia de Vinícius abençoado... Cortei o laço. Mas cavaco já havia chorado... Pandora espalhou-me as feridas. Chorei, corri, chovi. Mas em sua caixa, um bater de asas aprisionado... Era a doce Esperança a bem-querer-me os ouvidos... zunindo que nessa vida havias de ser minha melodia. Eu, que só sei fazer poesia... E o teu cavaco, já havia chorado... Temporal passou, teu sorriso ficou, a leveza do teu passo, musicado em mim, nada mais andava chorado... Então abri as portas da casa, só para ver o novo brotar no coração velhaco do namorado... Meu bem amado!