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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

Solar

Quando nesta madrugada perdi o fio da meada, eu vi o sol nascer sem você e me lembrei das nossas barracas. Crianças confinadas num condomínio de 12 prédios, 17 andares sabem fazer-de-conta. A gente morava no arranha-céus porque tínhamos asas. O plano era o de sermos as primeiras a ver o primeiro raio de sol despontando na passagem. E quando ele saia redondo da montanha do Laranjal, era o auge. Tempos depois, quando descobrimos que do outro lado do planeta os japoneses roubavam nossos primeiros raios de sol, você começou a dormir, sensata. As vezes o sol trazia a famosa "paia-piscina-vevete" com o Zé Ramalho alto do nosso pai pelo quarto... E ficávamos com aquela "cara de Thays"!... De todas as brincadeiras da nossa infância, é ele, o astro-Rei, nosso primeiro amigo. Quando a janela da alma se abre, inda peço a ele pra iluminar teu pensamento, ser teu guardião, trazer inspiração e um samba bom pra quem cedo madruga em reverência e faz-de-conta na recordação.

Ela

  O coração ainda sangra E a Vida vez ou outra ainda espeta  A Dor só quer saber-se viva, renitente. Ventou, passou água fria, água quente... Coração sangra E ela me sorri orgulhosa e sem dentes. Alimenta-se da minha ferida, Oh, cruel parasita! Não sou eu a louca da casa? Meu Deus, tira esse rato da minha mesa!  Mas minha prece não percorre a Terra,  não sabe subir até Deus. Ecoa. Não vês que acabou a festa? E passou o tempo, passou o vento  e a vassoura nos pés dela. Como um jumento que empaca, Fomos da sutileza aos pontapés, no tapete da sala. E a Vida piadista, que não perdoa,  ainda espeta. Mais ela sangra na minha janela, e na mesa de jantar, e na frente dos convidados, e no banquete principal, Me espanta. Já pus até no colo,  Admirando-a como a uma criança,  mas é ingrata, não se consola e me fere. Eita que dói e não pára,  me desonra e desobedece! Lavei as minhas mãos Mas ela, então, lacrimosa e sem dentes, permanece.