Sol poente

 Desenredo-me, 

aposento a navalha que divide dois cumes simétricos, opostos. 

Caminho no meio, entre abismos de beleza estonteante.

Não busco a felicidade, 

não fujo da dor,

existo para além dos cactos do deserto. 


Vida sinuosa, contínua,

segundo a segundo, respiro,

apenas existo, porque foi assim me fizeram, 

foi assim que me tornei

é assim que me transformo

cada dia mais minha

cada dia algo que me escapa também.


já não sei mais de nada,

seguro apenas nas mãos da vida, sempre potente, indecifrável,

nem bom, nem mau, 

mas o meu e o seu tem.

Aquilo que não compreendo, 

eu aceito também, 

porque minha vontade não basta para decifrar ninguém. 


Ao longe, ainda vejo o laranja do sol poente

e o velho desejo de ser dois. 

Mas não permito-me parar agora

Não permito-me demorar nos velhos fios farpados 

que compuseram meu enredo mais alguém. 


Não sei quando passa, mas eu passo, 

cada dia mais nua, 

cada dia mais crua, passo-a-passo.

 Algo, porém, me guia nessa estrada-que-não-sei,

nem bússola, nem compasso, 

nem um mestre que tanto busquei, 

mas uma força que pulsa

e silencia. 


Se eu pudesse nomear, eu nomeava, 

mas me escapa como tudo que um dia já pensei que segurei. 

A vida é bela na incerteza,

a vida é inteira em mim. 

Sigo assim empoeirada da caravana que passou, 

os olhos vivos de fúria, vida, vigor. 

o invisível se abraça em mim. 




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