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Mostrando postagens de dezembro, 2013

O carmim do nosso amor

Do nosso amor, o grito adormecido no corpo pele, dentes, cabelos, odor... Do nosso amor, a matéria extensa dos não-ditos Eu sinto teu grilo teu grilo, sigilo Não sei o que sinto, amor O nosso amor é o carmim nos lábios frágeis da gueixa Há de se retocar, sufocar, purificar sem pudor. Como o conjurador das chuvas, aprender fazer chuva que nunca lhe chova para nunca borrar o carmim do nosso amor O nosso amor, bichinho tão puro; na pele, tão devastador, é beija-flor que me espalha sementes que me nutre, meu amor. Do nosso amor, gastei todas as rezas Santo Antônio, São Benedito, Nosso Senhor. Quantos jogos de tarô!... para que fosse sempre rocha, jamais flor. E como lograr isso, amor? Eu, que sou fogo abrasador, nunca me dobrei por ninguém assim não senhor! Ai, esse amor! Nunca soube de minhas vigílias, menos ainda de minha entropia flutuando em face de flor. Só por ti, meu amor, delicado, sim senhor! Hei de zelar teu silencioso grilo, o não

Anuveando

Gosto de ver o cinza dos tempos nublados, o cinza que omite um horizonte a qualquer palmo... Mar funde-se ao céu, céu torna-se mar. Anuvear é assumir a forma do vento. Gosto de ver a dança lenta das nuvens recordando o pesado dos maus momentos... Pareciam tão eternos!... Me esmero. Ultimamente, ando mesmo pensando em nuvens, virando nuvens - toque de vento. O balé efêmero dessas vidas difusas... Abre-alas um Sol de dentro. Se anuvio - simples adendo. Mascarada admitindo formas novas carcomida por dentro. - Uma caixa aberta. O veneno. Livro-me hoje desse apartamento Brilho amanhã, no escuro dos maus ventos. Corta-me o fio. Não vejo horizonte. Nenhum palmo... Nada. Me despeço. Apodero. Não temo. - Já virei tempo. Templo... Me esquecimento.

Sensibilidade II

A sensibilidade é minha puta triste,  senhora antiquada. que esqueceu há tempos o próprio gozo e agora acalenta toda a minha jornada lhe dei o torso,  - fez de mim morada, para eu esquecer as vergonhas,  - para ela, em mim, ser amada. Se espelho o rosto da puta chorando as minhas lágrimas é porque vivo volúpia sem fim  sendo por ela assim desbravada!... Sentindo, adormeço as bofetadas  do mundo oco, minha boca escancarada se cala entrego-me ao outro  com o corpo  - vibração mais pura de minha alma.

Poema para o bem amado

Chegou em meu temporal sem tirar os sapatos... Tentei, então, em vão, fugir do seu cabelo armado, da sua cor, desses olhos de mago... dessas coisas tão ancestrais que carregas no passo. Tive medo. Mas cavaco já havia chorado... nossos corpos já haviam dançado tua música; nossas almas, no batuque, se entrelaçado; teus olhos me enfeitiçado; poesia de Vinícius abençoado... Cortei o laço. Mas cavaco já havia chorado... Pandora espalhou-me as feridas. Chorei, corri, chovi. Mas em sua caixa, um bater de asas aprisionado... Era a doce Esperança a bem-querer-me os ouvidos... zunindo que nessa vida havias de ser minha melodia. Eu, que só sei fazer poesia... E o teu cavaco, já havia chorado... Temporal passou, teu sorriso ficou, a leveza do teu passo, musicado em mim, nada mais andava chorado... Então abri as portas da casa, só para ver o novo brotar no coração velhaco do namorado... Meu bem amado!

Falta rua nesse tamborim ou Provocação

Malandro disse que é de rua, que o samba governa seus instintos... Mando minha provocação. Quem escolhe o samba como rei no pedestal não há de ser bamba, porque samba é canção que se preenche, que desanda na criação... Se não tem amor de tensão, há de fazer samba não, menos ainda reger o próprio violão. Malandro, falta-lhe rua e nêga que em ti faça canção! Porque samba é desejo de pele, é chão. É vontade particular, não é pública não... Faltou tesão. Aonde há de aprender o batuque que nasce no tambor da mulata e sentir os gemidos de uma cuíca sem paixão? Não há de ver o swing do cavaco de um corpo violado nem levar os bêbados de dó maior sem improvisação. Nome vai sujar na Lapa, zé pequeno de exclusiva concentração... Ou aprenda a domar essa nêga ou trate de compor samba-canção!

Subversão

Às vezes sentar-se a um banco de praça equivale a figurar-se uma vitrine. Pergunto. Mais do que a existência ou não dos bancos de praça, o mero ato de utilizar-se deles já prefigura uma arte de museu? Bem que esses banquinhos sossegados andam mesmo raros... A que pés, então, andam os caminhantes que apoderam-se deles? Rumo à extinção? Compreendo agora esse sentimento de exposição... Para além da extinção, imagino, um dia, tal ato uma arma de subversão desses tantos que andam por aí vomitando exclamações com suas bandeiras vermelhas e azuis... Para controlar o caos, acrescente aí um pastor de ovelhas, desses seres iluminados... Haverá de propagar o novo mandamento, até então negligenciado na tábua de Moisés: "Não silenciarás em praças públicas". ... Pecado quebrar o ritmo dos transeuntes jazidos na cidade Veloz de Neón.