Para João Marítimo


João,

Preciso lhe dizer que na outra semana resolvi abrir o armário e, finalmente, encaixotar tudo. A bailarina de cordas, as embalagens de chocolate, os bilhetes, o vaso indiano e as poucas coisas que constituíram o nosso lar. Nada tinha poeira.
Minha gaveta de poesias ainda grita e eu ainda me nego a tocá-la.

Preciso dizer que não trago mais lágrimas nos olhos, nem malas nas mãos.
Joana ainda me chama para cruzar a Rio-Santos e o Pedro já me pediu a mão.
Tenho cuidado de tudo. Das crianças, dos entulhos, da casa e da alimentação.
Me perfumo como antes e ainda uso aquele baton... Mas hoje eu vi do vento os olhos de medusa... Me petrificaram! Como a gente faz agora para derreter, João?

Preciso dizer que o lar vazio me dá menos trabalho, menos cansaço, menos agitação. Quando necessito, saio, ligo, e no dia seguinte, ao lar retorno, sem vozes e sem nãos.
Tenho me virado com as compras. Mulheres de água também aguentam a pressão nos ombros. Mas ainda não sei o que fazer com as suas chinelas, João...

Esses pés que tanto andaram, que aqui pararam... Aonde pisam agora? Quando alcançarão a rouca campainha?
Hoje me lembrei de quando eu era chuva e derretia nas suas costas... Você tinha mais poderes que São Pedro e sentia várias sensações... Me pedias em silêncio para que eu derretesse com tempo... Te lembras, João?
Mais alguém, assim, um dia lhe choveu?

Já fui também um jardim na primavera... Mas agora que olho o espelho, não encontro mais Violeta. Violeta morreu?
Como é que despetrifica, agora, João?
A fruteira está cheia e você precisa encontrar as suas chinelas. Está tudo sem poeira...
Receba o meu beijo e a velha preocupação.

Daquela que um dia lhe foi flor...
Violeta.

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