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Quero ser justo

De manhã quis escrever-te um poema, mas calei. Pensei em você com meu olhar, esse triste; que, responsável, se despede. Neguei. À tarde quis compartilhar com você coisas do Rio, da pátria, de Vinícius, da pior solidão que um homem pode ter e sentir... Mais uma vez me calei, pois que o poetinha falou-me, revelou-me no processo mesmo do medo de fazer ferir. Com uma colher de feijão grosso, do almoço, esqueci, atrapalhando a digestão, ludibriando o mal-estar, encerrando-me em mim. Neguei para continuar o mundo que nos transpassa. Sorri. Amo é amar-te, menina! Acontece que simbiose cessa o coração, acontece que sou triste e que sou amor para dar até o momento de morrer mansinho, sem grito, um pio preso ao silêncio viril. Não foi a langerie, nem meu desejo doido, o teu cheiro doce ainda entranhado em mim... Acontece que chorei quando mereci seu coração, seu lar e, para digerir esse feijão, o café, toda a sua gratidão, à noite traguei tudo até o fim... Quero ser justo. (João M

Música para Eva

Em teu corpo repousam meus pecados e no silêncio tácito, a fluidez de dois mundos que se encaixam violados, apavorados, estremecidos, serpenteados, selvageria de gatos gemidos protegidos no universo deste quarto, que segreda o vão do mundo... Transgessora é a dança das costelas de um Adão recusado. Eu espelhado mulher comi maçãs suculentas do teu corpo só para borrar-lhe as chagas cosidas, caladas, jazidas em teus lábios de Vênus, dos astros... Definir assim o que indefiniu-se por cautela no corpo dela Em teu espelho sou ela, redimida Eva, cada dia mais mulher...

Fragmentos suspensos

Incenso para elevar-me a alma, cigarros para enraizar-me corpo, livros para nutrir o espírito... Esta é a fórmula da minha transcendência sexta-feirística. E no stop suspenso da bailarina o acalanto ao coração que recompõe as energias para o próximo passo em falso, ritmado, cada dia mais equilibrado e agitado do seu amor.

Miudezas da cidade

Saudade de amar essas coisinhas pequenas... um polaroide, uma ilusão de ótica do papel que percorre para o cavalo andar... Hoje vi que embruteci ao tocar as miudezas da cidade... Os olhos fincados em coisas tão grandes e alheias... Amor que se dá ao outro em pensamento, pensamento que não se pode materializar... Estas coisas que a gente agarra tem mais poesia. Beleza de encantar o olhar... que não vê o tempo que dança, que não vislumbra o outro atirando ao vento contas do nosso afeto, a vagar... Do amor, trago no peito duras arestas enquanto estas miudezas degelam ternura milenar. No meu povoado ainda recebo circos, ouço causos, tenho comigo um grande disco solar; o maná, ilusionismos; maravilhas, miudezas... teu olhar de quarta-feira isento de rastros, ausente de lastros... que não deixem cacos em mim.

Frevo mulher

Bem que se tenta escapar da terra Mas sempre ela, buscando gestação... Quer ser frutos quando é areia Único medo...  Solidão entre homens-inverno, outono, verão... cortante busca de definição para descortinar primaveras... e parir um tempo fluido que não recluse, não recuse o coração. Quem sabe o Tempo  não espalhou sua  cabeleira... Quem sabe os olhos  se restrinjam aos que espelhem  sua natureza... mulher, mulher, mulher... Barriga de vento. Mulher! próxima estação...

Para trovejar fora de mim...

Sinto sono, mas já não posso dormir. Instrumentos de sentir são mais humildes: um cinzeiro, fumaça, escuro, alguma dor. Tela fria de computador... Vou esperar chuva cair parar de relampejar meu cachorro dormir... aprendi a me dobrar mas parei de sentir... Por amor abafei os sentidos até o amor se evaporar de mim, me restar só um menino... E eu a buscar aonde enfim a chama se apagou o instante que descongelou, Pra onde foi o meu amor quando de mim resolveu partir?... Hei de esperar chuva cair eu voltar a sentir desde aquilo que em mim ficou... o que não fiz por amor escrever em tela de computador. que não lhe rabiscassem coisas duras nessa sua finura, velho amor!... Vou esperar chuva cair... Trovejar fora de mim... Re-ligar tudo aquilo que estagnou. Mas pra onde é que foi o meu amor? Porque foi que começou? Diga enfim, se acabou.

O carmim do nosso amor

Do nosso amor, o grito adormecido no corpo pele, dentes, cabelos, odor... Do nosso amor, a matéria extensa dos não-ditos Eu sinto teu grilo teu grilo, sigilo Não sei o que sinto, amor O nosso amor é o carmim nos lábios frágeis da gueixa Há de se retocar, sufocar, purificar sem pudor. Como o conjurador das chuvas, aprender fazer chuva que nunca lhe chova para nunca borrar o carmim do nosso amor O nosso amor, bichinho tão puro; na pele, tão devastador, é beija-flor que me espalha sementes que me nutre, meu amor. Do nosso amor, gastei todas as rezas Santo Antônio, São Benedito, Nosso Senhor. Quantos jogos de tarô!... para que fosse sempre rocha, jamais flor. E como lograr isso, amor? Eu, que sou fogo abrasador, nunca me dobrei por ninguém assim não senhor! Ai, esse amor! Nunca soube de minhas vigílias, menos ainda de minha entropia flutuando em face de flor. Só por ti, meu amor, delicado, sim senhor! Hei de zelar teu silencioso grilo, o não