Mar de dentro


Um prólogo:

Caos, Corrupção, Liquidez, Desatenção. Mal estar na civilização.
Aceleração, Frenesi, Angústia, Desatenção, Fragmentação, Ação.
Um ser aflito pela liberdade pede trégua. Quer aprisionar-se,
ou melhor, conhecer seu cárcere.

Tempo. Relógio. Controle. Auto-controle. Subjetivação do caos dominador.
Desajuste.
...Trégua.

'Criamos neuroses para não enxergar coisas indecifráveis' (frase aproximada, presente em "Manhattan").

Em um mundo cada vez mais particionado, nosso inconsciente emerge em flashes.
A racionalização é difícil quando o que se escreve vem de dentro...
Do mar de dentro.

Uma psicológica narração:

Ela era solidão. Não sabia por que era solidão. Como queria integrar-se ao mundo... (!), mas os laços a amedrontavam. 
Aprofundava-se, ia fundo, mas apenas até o limite de encontrar-se a si mesma, não sabia, todavia.
Dedicava-se aos amigos com tanto afinco, que lhe doía ter de procurá-los quando precisava.
- Porque simplesmente não estão aqui? - Se queixava.
- Tantas pessoas têm verdadeiras amizades, laços de irmandade, conexão, casamento... Queria que estivessem comigo!... Eu me doo tanto!... - choramingava.

Na verdade não os procurava, inclusive vacilava. Não atendia ligações, não retornava.
Odiava telefones. Odiava o fato de ter que puxar assunto, de falar da vida, de escutar bobagens, de papos banais... Não tinha tempo para isso!
Não gostava de espelhos. Necessitava de pessoas para saber quem era. Ela, logo ela... Estereotipada super - mulher.
Era mesmo um corpo estranhado, por isso a necessidade de expandir.

Ela, a vaidosa amedrontada por espelhos, que odiava lembrar-se de sua existência pelos apitos dos celulares, quando via olhares tristes, tudo com o que sonhava era com a entrega, com a sua desintegração.
Uma sensibilidade aguçada, direcionada ao contato, a presença, aos olhares e sentires...
Queria tanto destruir as tristezas alheias, construindo saídas felizes... Mas se enganava! E se frustrava! Não estaria mais lá para construir! Ela apenas carregava, se adoecia e visionava.
Desconhecia que o tempo era seu dilema...

Por quê sensível a olhares e hostil a palavras enlaçadoras? Por que o incansável novo? Culpa das palavras! Elas que preenchem vazios, ludibriam, aparentam...
Por isso o desgostar de ligações, o sumiço quando o acaso inexistia.
Palavras apenas para ideais e expansão. Aí sim! Para extravasar crenças de um mundo melhor, para buscar ideais seus saindo de outras bocas...
Para expandir-se.
Expandir também significava esquivar-se de seu lado mais sombrio, tímido, vaidoso e amedrontado.
Sua expansão era mesmo extensiva, uma tentativa, de agregar para ser vista por si, posto que no olhar do outro afim que se via como reflexo... - seu lado belo, idealista, crente, sensível... 
No entanto, até mesmo o encontrar-se, o estreitar de laços, possuíam medida.

Medidas. Adorava medidas, provavelmente porque aprendera a estimar sua sobrevivência. Precisava limitar sua compreensão de si.
Ao mesmo tempo, queria autoconhecer-se... Ingênua!
Imaginava que escutava o inconsciente através de fragmentos, como o mundo fragmentado era.
- Se o inconsciente é a subjetivação da cruel realidade, aparente e invisível, não pode ser diferente!... - especulava.
No entanto, seus fragmentos, fragmentos eram, porque os fluxos do inconsciente só lhe eram permitidos até certa medida.
Então, fragmentos frágeis jorravam, cuspiam... A partir deles, ela se compreendia, se autoconhecia, não equivocadamente; com medidas inconscientes de controle de fluxo d´água, de mar, todavia.

Nesse triste universo particionado, comedido e pós-moderno, nada mais lhe resta senão a busca, incessante e legítima busca por integração; por oceano; por uma memória subjetivada, distinta da consciência e inconsciência fragmentadas.
Enquanto isso, apenas espirros d´água... 

Comentários

  1. Lindo o texto.Me reconheci. Eu como ser líquido, sem entender direito o que é isso. Me diluí um pouco em ti.Me aproximei, ainda que sem apitos de telefonemas. Mas, na conexão subjetiva do pensamento, do sentimento humanitário de ser "só".

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