A menina que queria consertar o mundo

Era uma vez uma menina que queria consertar o mundo
Mas com amor não podia...

Na ânsia de tudo mudar
Perdeu o tempo
Mas o tempo não para
Então perdia as horas
das coisas a materializar.

Certo que ela destoava...
Expansiva, mas com coração triste,
Defendia a todos, menos a si mesma;
Era o impulso criador, mas lhe faltavam mãos de artesã para tecer e arrematar.
Resolvia por deixar tudo no ar...

Queria ser livre pra sentir, mas precisava ser.
Importava-se com o alheio pensar.

Em frenesi planejava,
Atuava em infindáveis causas mirabolantes
Querendo consertar as injustiças
ou, ao menos, seu coração.
Não era Dom Quixote, pois lhe fazia falta Sancho Pança,
Lhe doía tanta limitação.

Talvez, justamente, por sofrer tanta castração,
Não sabia dizer não.

Acumulava as dores ao redor
E pela ação cega se projetava.
Corria, movia-se, mas estava sempre fadada ao mesmo lugar.
Era ela mera impulsão?

Tentou refugiar-se nos sonhos e na arte
Unindo tanto sentir aos tantos projetos a lhe esperar com sua fértil imaginação...
No entanto, Saturno, Deus perverso,
Veio lhe cobrar:
Sangrar era seu destino
até se objetivar!

Não sendo Dom Quixote,
Não sendo Afrodite,
Não sendo Ícaro,
Nem Madre Teresa de Calcutá,
Restou-lhe ser ela mesma
E o ter que aprender a executar

Iniciou então um profundo desapegar
Rasgou suas camadas até se desintegrar

Primeiro o primitivo agir
Depois o querer agradar
Depois o gigante sentir,
Depois o nada negar.
Quanto aquilo lhe doía!

O pai castrador ainda queria mais!
Rasgou seu poder de extravazar pela arte,
Seu crer no divino,
Seu tanto sonhar
Com a boa prerrogativa de um ter que se equilibrar.

Racionalizar para ajudar o outro,
Para sanar seu coração doente
pelo peso do querer e não poder solucionar,
Para sair das crises,
Da margem,
Para pagar seu débito.

Rasgando-se segue diariamente a menina,
Que cresceu com o peso do ter de concretizar.

Concluiu que Equilíbrio é o sobrenome de Saturno
e que seu conflito só era belo, pois doído.

Ser ela mesma e assumir seu eterno fraquejar?
Reconhecer-se idéias soltas no ar?
Ou rasgar-se todos os dias para,
enfim, sair do ciclo de sofrimento,
para ser Calcutá?

Cadê a luz do Sol?
Eterno e interno soluçar...



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